sexta-feira, 12 de junho de 2020

MBORAI PORÃ


MBORAI PORÃ
            Mborai: forma nominal do verbo intransitivo iporai, cantar, rezar. Mbo: prefixo derivacional. Prefixo causativo que forma um radical verbal transitivo de um radical verbal intransitivo, adjetivo ou substantivo. Ocorre antes de orais, quando nasais usa-se: mo.
            Conjugações do verbo iporai:
            Presente:
            Xe aporai. Nde’e reporai. Ha’e oporai. Ñande japorai. Ore roporai. Pende pe’eporai. Há’e kwere oporai.
            Passado:
            Xe aporai wa’ekwe. Etc.
            Futuro:
            Xe aporai wa’erã. Etc.
            Condicional:
            Xe aporai Wa’ekwerã.
            Presente contínuo:
            Xe aporai wae.
            Negativo:
            Xe ndaaporai.
            Imperativo:
            Nde’e teporai. Ha’e teporai. Etc.
            Interrogativo:
            Xe aporai pa? Nde’e reporai pa? Etc.
           
Como em Mboraywu que é a forma nominal do verbo intransitivo iporaywu, ter amor, bondade.
Conjugação do verbo iporaywu
Presente:
Xe aporaywu. Etc.
Porã:
            Adjetivo Bom, agradável, maravilhoso, esplêndido. Ganhou o sentido de sagrado. Obs: possivelmente esse sentido foi um empréstimo, na medida em que no Ñande Reko tudo é sagrado porque é manifestação de Ñamandu. Então surge a dicotomia, porã passa a designar sagrado, e a palavra iporã, então fica com o significado original do adjetivo. Acredito ser uma influência do período jesuítico. Assim ficou.
            Tradução:
            Sagrada Canção
            Prólogo: Ma woi
            Ma: advérbio já.
            Woi: Breve, logo, com antecedência, previamente.
            Ma woi: Expressão determinante. De antemão, previamente, prelúdio, prólogo.
            Texto:
1.     Ria’e wa’e Kwa’a exarai, ñoa’e ywy gui kowa’e mborai, mandu’aju tape, ete, kowe rupe.
Tradução:
1.     Sempre que a sabedoria é esquecida, da terra brota esta canção, para relembrar o caminho, a verdade e a vida.
Vocábulos:
Ria’e: sempre
Wa’e: que
Exarai: esquecida.
Ixarai: esquecer.
Ñoa’e: brota
Ywy: terra
Gui: da
Kowa’e: esta
Mborai: canção
Mandu’a: lembrança, memória.
Mandu’aju: relembrar.
Tape: caminho
Ete: verdade, verdadeiro.
Kowe: vida
Ikowe: Viver.

            Texto:
2.     Kowa’e kwaxia mbopara wa’ekwe endy pe. Ha’e ria’e ohoju araka’e ywypygua oho endy tekokwa’a gui, itarendy gui kwere ha’egui ñeem gui.

Tradução:
2.     Este livro foi escrito na luz. Ele sempre retorna quando a humanidade volta à tecnologia da luz, dos cristais e do espírito.

Vocábulos:

Kowa’e: este.
Kwaxia: livro.
Mbopara: escrever.
Wa’ekwe: indica tempo passado do verbo.
Endy: luz
Pe: na
Ha’e: ele,ela, dele, dela.
Ahoju: retorna.
Araka’e: quando.
Ywypygua: humanidade.
Oho: volta, retorna.
Tekokwa’a: tecnologia. Domínio sobre um saber.
Gui: do, de, da.
Itarendy: cristais.
Há’egui: e.
Ñeem: espírito.

Texto:

3.     Mokoym po, rire mboapy, rire mboapy anypo ara kwere wa’ekwe kowa’e kwaxia mbopara wa’ekwe opawy kwe’a. Ep mbowe ha’e ombopara wa’ekwe mokoym po, mokoym py, rire mboapy meme; mboapy po, mboapy py, rire irundy meme, rire peteym; ha’egui irundy po, irundy py, rire mokoym po, rire mokoym, rire mboapy anypo ara wa’ekwe.

       Tradução:           
3.     Há treze mil anos este livro foi escrito pela última vez. Antes ele havia sido escrito há 26, 39 e 52 mil anos atrás.

Vocábulos:

Mokoym po: dez. Duas mãos.
Rire: some.
Mboapy: três.
Mboapy anypo: três zeros.
Mokoym po, rire mboapy, rire mboapy anypo: treze mil.
Ara: tempo/espaço; ano.
Kwere: indica plural.
Opawy: última.
Kwe’a: vez.
Ep mbowe: antes.
Mokoym py: dez. Dois pés.
Irundy: quatro.
Meme: dobre.
                       
Texto:

4.     Pokã kwere monheangu gui, Kowae mborai  kwa’a   erowy nhembo’e rupe.  
           
Tradução:
4.     Nos períodos de obscurantismo, o conhecimento deste canto passa para a oralidade.



Vocábulos:

Pokã: de tempo em tempo. Período de tempo.
Monheangu: obscutantismo.
Arõ Kwa’a: acautelar-se. Ficar alerta.
Axa: passa. (refere-se a um evento).
Mboaxa: passar.
Erowy: passar. (refere-se a uma atitude).
Ma’ã: entrega.
Nhembo’e: oral
Inhembo’e: orar

Texto

5.     Mokoym e mokoym  rire mboapy anypa gui ara kwere peteym mba’ekwa’a oho mandu’aju rupe.
                   Tradução
5.     De dois em dois mil anos um Mba’ekwa’a vem para relembrá-lo.

Vocábulos:

E: em
Py: em (sinônimos), na.

Texto:
6.     Opawy mba’ekwa’a oho omboea rupe kowa’e mborai orery’kwe Xume. Há’e omba’e apy mokoym rire mboapy anypa wa’ekwe.
                   Tradução:
6.     O último Mba’ekwa’a que veio para ensinar esta canção chamava-se Xume. Ele esteve aqui há dois mil anos atrás.

Vocábulos:

Orery’kwe: Chamava-se.
imboea: ensinar.
Omboea: refere-se a ele, o mba’ekwa’a. Ensinar.



Texto:
7.     Ange kowa’e mborai ñoa’eju ñande koratã py Kwere.

Tradução:
7.     Hoje esta canção rebrota em nossos corações.

Vocábulos:
Ange: hoje
Angegua: dia de hoje
Kowa’e ara: neste dia.

Comentário:
Mborai Porã pode ser traduzida por Sagrada Canção, ou Sublime Canção. Mas o que fica é: quem foi o criador deste canto? E quando o fez? E o mais importante: qual o significado deste canto?
Este canto me foi ensinado pelo ñemoKandire Kwarayju. Até ele chegou por tradição oral. A tradição atribui a Xume o ensinamento deste canto, que aconteceu a dois mil anos atrás, porém, como epitáfio de vários versos do canto Xume diz: ha’e omombeu; ou seja: Ele nos disse. Isso significa que esse canto foi ensinado a Xume e a outros conjuntamente, pois Xume diz “Nos” disse. Porém Xume nunca disse o nome desse “ele”, que disse o canto.
O padre Antonio Vieira e, o Frei, Ruiz de Montoya, o prior dos jesuítas Del Guayra  relatam: “Os Guarani já conhecem a doutrina”; “Eles sabem sobre o dilúvio e outras ocorrências bíblicas”. “ Dizem que São Tomé (San Thomas) esteve entre eles”. Essa é uma afirmativa vinda dos Jesuítas. Se eles estiverem certos, Xume seria São Tome, e teria aprendido então esse canto com Iexua Nexari (Jesus). E os Guarani Ñandewa seriam então Cristãos pré-colombianos. E mais, o Cristianismo teria chegado aqui antes de ter chegado na Europa.
O relato Ñandewa diz que Xume chegou um dia nas margens do rio Paraguai, falando guarani. Assim começa o canto que fala da saga de Xume. 
 Dizem que alguns aceitaram a reformulação que ele fez no Ñande Reko, e que outros não. Os que o seguiram passaram a se chamar Ñandewa, que significa: os dos nossos; ou seja, os que aderiram à nova proposição.
Na antropologia a antropóloga francesa Helene Clastres fala de Xume, refere-se a ele como Tome. Os nativos no Rio de Janeiro falaram sobre Tome para ela e levaram –na até um lugar em que Tome tinha deixado as marcas do seu pé gravado nas pedras.
Em muitos lugares os Guarani têm as pegadas de Tome nas pedras, é uma relíquia e prova da passagem o Arandu. No Paraguai tem uma pedra com as marcas da mão de Tome, essa tive a oportunidade de conhecer e colocar a mão sobre as marcas da mão dele.
Aqui perto do Tekowa Xingui temos o Itupawa  o caminho por onde Xume passou quando veio da Ilha da Cotinga com os doze Mba’ekwa’a. e aqui próximo está a pia esculpida na rocha, junto a uma cachoeira onde Xume fazia os Ikarai. E no caminho do itupawa tem uma caverna onde ele morou, ela esta um pouco avariada pois foi dinamitada a algumas décadas pelos exploradores de granito.
Em muitos lugares a Tome são atribuídas escritas e signaturas, esses lugares são normalmente denominados de Itakwaxia ou Itakwaxiara, conforme o dialeto, ou seja: livros de pedra.
Por outro lado, o conteúdo desse canto embora bem enigmático, lembra em algumas passagens, creio que em torno de dez das cento e treze estrofes o evangelho apócrifo de Dydymos Thomas, “o irmão gêmeo”, que seria São Tomé (Thomas).
Em algumas lendas guarani Iexua e Xume são apresentados como irmãos gêmeos. Como o Sol e a Lua. E curioso que nessas lendas a lua passa a ser um personagem masculino, embora em guarani a lua “Jaxy”, signifique sagrada mãe, ou seja, é um ser feminino etimologicamente.
Todas essas hipóteses e especulações são muito interessantes, mas para mim, a grande importância do Mborai Porã está no próprio texto, pela profundidade, beleza e sabedoria dos ensinamentos que possui, e é nisso que mantenho meu foco.
Obs.
À partir da próxima classe passaremos a aprendê-lo oralmente, então até aqui vamos nesse processo de aulas gravadas, de agora em diante as classes serão ao vivo.



Canto:
Texto:
1.     Ha’e omombeu:
- “Opawawe ikowe imborai kwa’aete pe any imano wa’erã”.

Tradução:
1.     Ele disse:
- Quem viver na sabedoria e verdade desta canção não morrerá.

Vocábulos:
Comentário:
1.