sexta-feira, 25 de novembro de 2016

MA'ETY

Participei, nesta quarta-feira, de uma mesa redonda no plenário da Câmara Municipal de Curitiba, promovido pela FAO, a convite do vereador Jorge Bernardi. Enquanto meus colegas de mesa faziam suas explanações abordando a questão da fome, dos insumos nocivos e das transgenias de morango com vagalume para que o morango tenha essa cor brilhante e de batata com mosca para que ela fique crocante e, outras coisas muito alarmantes, meu espírito foi até os Ma’ety que brotaram lindos neste Ara Poty.
 Senti uma grande alegria vendo as qualidades do Awaxy (milho), dos Komanda (feijões), das raízes, dos legumes, das frutas tão puras e intocadas, e pensei tudo isso em relação ao que estava ouvindo. Então me entristeci principalmente porque não somos sempre compreendidos por não produzir para a venda ou por não partilhar nossas sementes e mudas com estranhos.
Hoje, abrimos nossos conhecimentos para o mundo porque isso agora é possível, a bem pouco tempo, até 1897 a inquisição ainda matava os Mbaekwa’a (os sábios).  Até bem recentemente, década de setenta do nosso século, durante a ditadura militar, o serviço de repressão prendia e desaparecia com os jovens que buscavam defender sua autonomia, que buscavam defender a terra da devastação que era feita por maquinários que agiam sobre o comando de pessoas sem nenhum critério ou senso crítico das suas ações. Povos quase inteiros como os Panara, gigantes de mais de dois metros e de força descomunal, foram quase extintos, atacados por aviões militares que lançavam covardemente bombas de napalm.
As sementes e os demais vegetais, por outro lado, ainda não podemos partilhar. Somente poderemos partilhar quando a humanidade não mais mexer geneticamente em seus seres, não promover mais hibridações e transgenias e não mais agredir o planeta com insumos nocivos. Quando isso acontecer poderemos então partilhar as sementes.
            Nada justifica a fome no mundo, porque alimentos sobram todos os dias. Toneladas e toneladas de alimentos são postos no lixo todos os dias pelas grandes organizações. O que ocorre é que o alimento não esta disponível para todos. E usam essa justificativa para gastarem fortunas em pesquisas que alteram os alimentos para se obter maior produtividade. Quando o problema não esta na produtividade e sim na distribuição.  
            A freqüência de anomalias que vem ocorrendo em vários setores da atuação humana  nos anos recentes foge ao senso comum. A ansiedade e as preocupações da humanidade dominada pelo sistema capitalista ou socialista que esta ruindo acaba em medos reais, temores fundamentados. Para sair desse circuito doentio é necessário que se volte para a natureza e para a auto-suficiência e gestão, o que significa voltar para a terra e para a agricultura, sem rancores ou remorsos, por isso, antes de qualquer atitude precipitada, devemos medir nossas ações e  também perdoar sem culpa e não julgar ninguém.
            Importante é ter em mente que a agricultura que praticamos agrega o conhecimento que vem desde os tempos remotos às novas idéias e à experiência obtida com o enriquecimento das colheitas por meio da emanação do Ñeem Porã, a emanação do espírito sagrado através do pyte e da energia radiante que emitimos do mbyte de Kwaray, nosso sol orgânico, nosso tata porã orgânico.
            Ma’ety, a mandala de plantio teve seu último desenho fixado por Xume. E a recomendação fundamental que nos foi deixada é a de que “antes de mais nada para que tenhamos uma agricultura de excelência comecemos por agradecer Ywy retã, a mãe terra por nos deixar cultivar sobre o seu divino corpo, agradecer a Kwaray, nosso divino pai por dar possibilidade de vida aos irmãos que conosco compartilham esta maravilhosa nave mãe, enfim sintonizar com a gratidão é o primeiro passo na lida com a agricultura”. A gratidão pode ser desenvolvida e absorvida cada vez mais na medida em que for praticada em atos e palavras ao invés de ser contida e restrita aos pensamentos e devaneios. Não é apenas a quantidade de alimento que importa na agricultura, mas, a qualidade espiritual do seu resultado final.
            Ao mesmo tempo em que cultivamos as quatro cores básicas do awaxy e suas infinitas derivações, também a humanidade das quatro cores esta sendo lapidada para brilhar ao sol. Juntos, os tata porã de cada um, formam um tata porã guaxu, uma enorme tocha que ilumina o mundo.
            A luz de Kwaray (sol) permite que todos os seres se desenvolvam; assim também é a luz de Ñamandu (Deus). Com uma diferença e uma semelhança: as nuvens podem cobrir o sol físico, mas não podem cobrir o sol espiritual. Apenas os humanos podem negar para si a luz de Ñamandu, não se expondo aos seus raios de Kwa’a (sabedoria) e Mborayu (amor). Recebemos essa radiância (ju) quando agradecemos a tudo e qualquer acontecimento a todo instante em toda a sua complementaridade e totalidade.
            E ,conversar com os elementos, dialogar com nossos companheiros de jornada, não é loucura dialogar com as plantas , com os animais, com os minerais. Loucura é se fechar ao diálogo com a vida.
            Quanto a incompreensão, tudo bem, já em 1528, Luiz Ramires depois de ser alimentado e ter boa hospedagem, escreveu ao seu rei dizendo: “Aqui entre nosotros está otra generación que son nuestros amigos, los cuales se llamam guaranis por otro nombre chandris: estos andan dellamados por esta tierra, y por otras muchas, como corsários a causa de ser enemigos de todas estotras naciones ... son gente mui trahidora ... estos señoream gran parte de la India y confinan com los que habitan La Sierra. Estos traen mucho metal de oro e plata em muchas planchas y orejeras com que cortan La montaña para sembrar”... e segue em suas detratações.
            Porém o que mais me chama a atenção é o detalhe do metal com os quais eram confeccionados os instrumentos agrícolas: “ouro e prata”. Não poderia haver desígnio mais nobre para esses dois metais, porque é da agricultura, a arte fundamental da vida, que dependem todas as outras artes. Sem uma boa agricultura não temos como ter uma boa culinária. E, sem uma boa alimentação, fracos e doentes não seria possível termos qualquer outra arte. E hoje buscamos ter o telhado sem ter os suportes, por isso nossa civilização esta ruindo. A esperança é que sobre esse escombro, sobre esse adubo, possa surgir uma nova humanidade, a quinta humanidade feita de awaxy ete. Há’ewei!!!