sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Novos Tecidos

Awaju Poty

Ara poty - 2007

 

SEMIOSE COLONIAL

 

No século XVI, a educação, a conversão e o conflito dos sistemas escriturais relacionados com a religião, bem como os discursos coloniais que classificavam o planeta de acordo com a etnicidade (pele, cor, lugar geográfico) e um sistema de signos (língua, alimentação, vestuário, religião, etc), reforçam aspectos que fundamentam a instauração da colonialidade. Do século XVIII até aproximadamente 1950, a palavra cultura tornou-se algo entre "natureza" e "civilização". Ultimamente, a cultura tornou-se a outra extremidade, ou o outro lado, dos interesses financeiros e do capital. (cf. Mignolo, p. 38).

            No século XVI, missionários espanhóis julgavam e hierarquizavam a inteligência e civilização dos povos tomando como critério o fato de dominarem ou não a escrita alfabética. Esse foi um primeiro momento para a configuração da diferença colonial e para a construção do imaginário atlântico, que irá constituir o imaginário do mundo colonial/moderno.

            Ao se aproximar do fim do século XVIII e início do XIX o critério de avaliação já não era a escrita, mas a história. "Os povos sem história" situavam-se em um tempo "anterior" ao "presente". Os povos "com história" sabiam escrever a dos povos que não a tinham (sic!).

            No início do século XIX, Max Weber transformou o discurso dos missionários sobre essa lacuna em celebração da conquista, pelo ocidente, do verdadeiro saber com o valor universal.

            Na verdade o "choque de cosmovisões" vem sendo um fato dos últimos quinhentos anos, e o choque ocorreu no século XVI como ocorre até hoje. Conforme nos elucida Mignolo: "... nenhuma das cosmovisões em choque permaneceu inalterada e não ocorreram apenas entre anglo-americanos e índios norte-americanos". (Mignolo, p. 29).

            Desde o sonho de um Orbis Universalis Christianum até a crença de Hegel em uma história universal, narrada de uma perspectiva que situa a Europa como ponto de referência e de chegada: o eurocentrismo torna-se uma metáfora para descrever a colonialidade do poder. A história universal contada por Hegel é uma história universal na qual a maioria dos atores não teve a oportunidade de ser também narradores. (cf. Mignolo, p. 41).

            Assim, a semiose colonial "acontece" no entrelugar de conflitos de saberes e estruturas de poder. Como assinala Mignolo: " ... a semiose colonial exige uma hermenêutica pluritópica pois, no conflito, nas fendas e fissuras onde se origina o conflito, é inaceitável uma descrição unilateral" e prossegue alertando que não é só isso mas que também a distinção entre o que conhece e aquele que é conhecido deve ser superada, "o objetivo é apagar a distinção entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido". (cf. Mignolo, p. 42).

            Do projeto do Orbis Universales Christianum, aos padrões de civilização (mercado global), os projetos globais têm sido o projeto hegemônico para o gerenciamento do planeta. Contudo, não é difícil enxergar que, atrás do mercado, como objetivo último de um projeto econômico que se tornou um fim em si mesmo, existem a missão cristã do colonialismo moderno inicial (renascença), a missão civilizadora da modernidade secularizada e os projetos de desenvolvimento e modernização posteriores à segunda guerra mundial.

            O neoliberalismo, com sua ênfase no mercado e no consumo, não é apenas uma questão econômica, mas uma nova forma de civilização. A sua raiz encontra-se na expansão ocidental posterior ao século XVI por ela não ter sido apenas econômica e religiosa, mas também a expansão de formas hegemônicas de conhecimento que moldaram a própria concepção de economia e de religião. Em outras palavras, foi a expansão de um conceito "representacional" de conhecimento e cognição que se impôs como hegemonia epistêmica, política e ética. (cf. Mignolo, p. 48).

            Em síntese, a semiose colonial traz a perspectiva de descrever o conflito entre povos feitos de saberes e memórias diferentes, visando identificar momentos precisos de conflito entre duas histórias e saberes locais,   um reagindo no sentido de avançar para um projeto global planejado para se impor, e outro visando às histórias e saberes locais forçados a se acomodar a essas realidades.

            Por outro lado, o moderno sistema mundial nasceu no longo século XVI. As Américas, como construto social, nasceram no longo século XVI. A criação dessa entidade geossocial, as Américas, foi o ato constitutivo do sistema mundial moderno. As Américas não foram incorporadas a uma economia capitalista mundial já existente. Ao contrário, não poderia haver uma economia capitalista mundial sem as Américas.

 

         REFERÊNCIAS

 

            MIGNOLO, Walter. Histórias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

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NOVOS TECIDOS

 

Estabelecer uma relação necessária entre a experiência humana de Ñamandu (Deus) como experiência plena de sentido e a experiência Guarani de Ñamandu como experiência da sua presença na linguagem do Ñande Reko (maneira de ser Guarani: música, dança, ritos, cerimônias, etc) é um dos problemas mais decisivos que se apresentam a vida espiritual, num mundo confuso e dividido entre a razão operacional das ciências e das técnicas e a extraordinária proliferação de novas formas de experiência do sagrado – de experiência religiosa – que irrompem vigorosamente à margem das enormes clareiras que a razão vai abrindo nos mistérios do universo e do homem, são como clareiras abertas por moto serras na mata exuberante da plenitude de vida, restando apenas as margens, em meio aos destroços e as queimadas.

O que quero dizer é que para poder se fazer entender neste momento presente é preciso se fazer entender na linguagem que é usada. Ou seja, na linguagem eurocêntrica, seja ela espiritual (cristã) ou materialista (científica), para traduzir conceitos que são Guarani. Até mesmo usando o nome de origem grega "Deus" (o senhor do Olimpo) em lugar de Ñamandu. E citando a bíblia canônica, o livro da religião hegemônica e os textos dos teólogos cristãos ou doutores que decidem sobre a verdade, como um bricole ou uma bela colcha de retalhos coloridos, onde com pedaços escolhidos dizemos o que tem sentido para o Ñande Reko, ou seja, para a nossa maneira de ser. Da mesma maneira convém trabalhar com a ciência e seus dogmas seculares, remontando com seus fragmentos novos tecidos, "porque a luta pela vida não é uma luta contra indivíduos, mas contra as forças de Tau (as forças espirituais do mal), nas regiões celestes". (cf. Ef. 6.12).

            O espírito (Ñee porã) procede do espírito e sua simples presença necessariamente produz conflito porque questiona o caráter absoluto do pensamento hegemônico, e discernimento entre o que traz vida e o que traz morte. "Cheiro de morte para a morte, aroma de vida para a vida". (II Cor 2. 15-16).

            Por muito tempo o cristianismo se arvorou dono de Deus. E o cheiro de morte se alastrou pelo mundo. No século XVI, a hoje América Latina foi conquistada em nome dos reis católicos da Espanha. Tratava-se não somente de uma conquista militar, mas também de uma conquista religiosa. Tratava-se não somente de implantar a cultura ibérica, mas também uma cultura cristã. No século XIX a extensão missionária cristã esteve tão estreitamente vinculada com o colonialismo europeu que o cristianismo chegou a ser identificado na Ásia e na África como a religião do homem branco.

            Atualmente, no entanto, a outra forma de "cristianismo – cultura" que vem dominando o cenário mundial: o " American Way of Life". O fenômeno é descrito por um autor evangélico norte-americano nos seguintes termos: "temos equiparado o americanismo com o cristianismo até o ponto de estarmos tentados a crer que as pessoas em outras culturas, ao converterem-se, devem adotar os padrões institucionais estadunidenses. Através de processos psicológicos naturais somos levados a crer inconscientemente que a essência de nosso American Way of Life é basicamente – senão totalmente – cristã". (Padilla, p. 28). Assim usando o nome de Deus homens e nações agem impondo os seus interesses, e a história da missão cristã é a história dessa grande mentira que o homem realiza tratando de ser Deus em autonomia com relação a Deus. Porque ninguém pode dizer Ñamandu (Deus) senão pelo Ñee porã (espírito de Deus), assim como "ninguém pode dizer: Senhor Jesus! Senão pelo Espírito Santo". (I Cor. 12.3).

            Penso que muitos povos do mundo estão fazendo a vontade do Pai que esta nos céus. E que muitos cristãos estão dizendo Senhor, Senhor aos senhores deste mundo. Mas é bom lembrar que Jesus disse: "Nem todo o que diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus". (Mt. 7.21). Penso que muitos missionários são guias de cegos! Que coam o mosquito e engolem o camelo". (Mt. 23, 23-24).

            Fico contente pela mensagem de Yeshua (Jesus) ser pleno do Ñee porã (espírito de Deus) porque posso usá-la para desenraizar a grande mentira, para lutar pela libertação dos dogmas da ciência e da religião eurocêntrica porque ela sempre teve cheiro de morte, e hoje cheiro de morte causado pela fome. O sistema cristão é apenas um eurocentrismo com roupagem universal. O atual sistema religioso, científico e industrial está a serviço do capital, não da humanidade, age com hipocrisia e cinismo, contaminando o novo ambiente e a despeito dos avanços tecnológicos e de uma expansão industrial que não tem precedentes na história humana estamos mais distante do que nunca da solução de problemas básicos. A era da técnica que deu luz à libertação da energia atômica e, iniciou a conquista do espaço é, também, paradoxalmente, a era da fome.

            As nações ricas e as pessoas abastadas se recusam a reconhecer a relação que há entre a sua opulência e a carência das pessoas pobres e das nações pobres porque a avareza está no próprio fundamento econômico em que se embasa a sociedade de consumo. (cf. Padilla, p. 60). Então, fica a pergunta: porque será que a sociedade ocidental tem esse anseio de flatulência, de gordura, de obesidade física e espiritual, em um mundo que cada vez é mais escasso em recursos físicos e espirituais? Assemelha-se ao desespero de ratos embarcados em uma nau que está afundando, quando roem as suas próprias unhas e cometem autofagia, pois estão obesos por devorar com ansiedade as suas próprias vidas e a do planeta.

            A mentira acontece na raiz do cristianismo, no momento em que Yeshua foi denominado Cristo, porque Christos era Orfeu, Yeshua nunca se denominou assim, então passou a ser venerado Orfeu e seu culto de morte em lugar do Messias. Assim como a divindade de Yeshua nunca foi Deus (Zeus). Essa mudança de nomes veio com uma mudança de paradigma, é a dissolução da verdade de Yeshua.

            O "pequeno Apocalipse" de Marcos 13 (Mt. 24 e Lc. 21) faz referência ao "abominável da desolação" (v. 14), cuja aparição coincidirá com um período de sofrimento sem paralelo na história. Trata-se da descrição de uma pessoa que encarna a mais repugnante idolatria (como a que se tem hoje pelos bens de consumo). A terminologia deriva-se diretamente de Daniel 9.27, 11.31, 12.11, textos que têm como pano de fundo a profanação do templo de Jerusalém, cometida por Antíoco Epífanes, que o transformou em um centro de adoração a Zeus olímpico, de quem o tirano pretendia ser uma manifestação terrena (ano 166 a.C.). (cf. Padilla, p. 122). Nessa época o templo de Jerusalém tinha se transformado em um grande shopping center. Yeshua quando veio tentou por para fora os vendilhões que nessa época se instalaram no templo, houve reações e como em nossa época, parece que quem foi posto para fora foi Yeshua, como foi posto para fora da igreja cristã. Mas Yeshua hoje ainda pode ser encontrado na luz do sol que nos ilumina, na água da vida dos rios límpidos que saciam a nossa sede, no ar puro que sopra em nossas narinas nas manhãs de brisa suave nas matas, no pão da vida que brota nos roçados comunitários (ma'ety) de milho, mandioca, feijão, abóbora, etc,etc, no olhar dos simples que ainda não foram pervertidos (convertidos pela religião hegemônica), no coração dos que clamam por justiça, nos que estão nas margens das clareiras abertas pelas moto serras do sistema hegemônico.

 

REFERÊNCIAS

ARAÚJO DE OLIVEIRA. Manfredo. Diálogos entre Razão e Fé. Edições Paulinas.

LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de Filosofia. Problemas de Fronteira. Edições Loyola.

PADILLA, René. Missão Integral. Ensaios sobre o Reino e a Igreja. Temática Publicações. São Paulo. SP. 1992.

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TECIDO ARTESANAL

 

 

 

Não é difícil, hoje, haver engano na abordagem feita por estudiosos vítimas da monocultura do tempo linear com relação ao entendimento de culturas que estão fora desse sortilégio. Principalmente quando buscam justificar as suas certezas em historicismos exóticos, ou melhor, com racionalidades externas às culturas que se busca entender.

            Por exemplo, hoje, muitos povos estão reafirmando suas tradições e buscando independência com relação à racionalidade do mercado. Ou seja, estão voltando à arquitetura, a agricultura, a tecelagem e a cerâmica artesanal, que lhes propicia autonomia, auto-suficiência e saúde – equilíbrio físico e ecológico.

O que quero dizer é que somente quem vive dentro dessas sociedades silenciadas, pode compreender o significado da pausa, do tempo e do silêncio que decorre e que perpassa os seus corpos e seus espaços.

Então, não é de estranhar quando se ouve de pensadores exóticos às culturas artesanais, falarem sobre ela, entendendo-as como anacrônicas. Porque o seu tempo é outro e a freqüência do seu ouvir é outro. Podemos apenas fazer um apelo: para que as deixem assim existindo em sua sanidade, quando não se consegue celebrar com elas.

Por exemplo, o bem intencionado pensador português Boaventura de Sousa Santos, falando sobre o tempo afirma que: "num período dominado pela agricultura mecanizada e industrializada, o pequeno camponês artesanal ou de subsistência deve ser considerado como algo anacrônico ou atrasado". Que: "duas realidades sociais que ocorrem em simultâneo não são necessariamente contemporâneas". (Boaventura, p. 44).

Na verdade, a busca do artesanal é uma busca pós-industrial, visando apenas qualidade de vida. Vida desmassificada. Embora, despropositadamente, essa busca quando feita por coletividades como ocorre com as comunidades indígenas, gere uma obstrução à lógica do mercado "puro".

Walter Mignolo, citando Bordieu, Hinkelammert e o subcomandante Marcos, traz uma possível compreensão para esse fenômeno, qualificando esse momento como a emergência do pensamento liminar. Ele diz: "a emergência do pensamento liminar é, outra vez, um rompimento com a razão instrumental pós-iluminismo, cuja manifestação atual é palpável no que Pierre Bordieu chama – a essência do neo-liberalismo – e descreve como um programa para a destruição de possíveis iniciativas coletivas que possam ser consideradas uma obstrução à lógica do mercado puro, naquilo que Franz Hinkelammert define como – a racionalidade do mercado por si só – e no que o subcomandante Marcos rotula de – a quarta guerra mundial. (Mignolo, p. 129).

 Por outro lado, Boaventura compreende que: "não há conhecimento em geral nem ignorância em geral. Cada forma de conhecimento conhece em relação a um tipo de ignorância e, vice-versa, cada forma de ignorância é ignorância de um certo tipo de conhecimento".(Boaventura,p. 85).

Com relação aos produtos artesanais e industriais, podemos dizer que são saberes que se ignoram. Sem dúvida um tecido de tear primitivo, por exemplo, e um tecido de poliéster industrial, obviamente, são tecidos. O primeiro pode ser usado por quem o produz ou possa pagar muito por eles. O segundo pode ser usado por qualquer um, mas principalmente por quem não sabe tecer ou não pode pagar por coisa melhor. Mas num passado bem recente todos sabiam fazer a sua vestimenta, na qualidade necessária para o seu gosto e conforto, isto digo me referindo às culturas ameríndias.

Nesse caso, a tecelagem é uma tradição, a persistência de uma memória. Analogamente, como bem entende Mignolo, referindo-se às tradições da África e da Europa ele nos diz que: "não há diferenças entre as tradições africanas e européias. Tanto a África como a Europa as têm, e ambas têm modernidades e colonialidades, embora em diferentes configurações". (Mignolo, p. 98).

No que concerne à intelecção desses saberes tradicionais nativos especificamente da América, Mignolo constatou que: "intelectuais ameríndios na América Latina ou índios norte-americanos estão numa posição fronteiriça, não por se terem deslocado mas, porque o mundo se moveu em sua direção". (Mignolo, p. 110).

Mignolo tem razão em sua constatação, eu complementaria dizendo que esse deslocamento se deu em quase todos os sentidos, menos em um. Há uma busca e uma supervalorização dos produtos silenciosos, ou seja, dos objetos indígenas. E seus produtores, também como pessoas, são interessantes objetos de estudo. Por exemplo, sobre o povo Guarani há uma vastíssima bibliografia, uma das maiores do planeta. Porém, há um sentido que não se move em direção ao povo Guarani, é o auditivo, porque para esse fim ele é inútil, pois não é dado ao povo Guarani voz.

Sobre esse silêncio, Mignolo pontua que: "sociedade silenciadas são, é claro, sociedades em que há fala e escrita, mas que não são ouvidas nas produções planetárias de conhecimento, orientados pelas histórias locais e as línguas locais das sociedades silenciadoras". (Mognolo, p. 108).

Eu penso que, hoje, vivemos uma dupla possibilidade dentro de uma dupla situação. Uma delatada pelo subcomandante Marcos. Mas também há espaço para outra que é concebida por Khatibi em sua visão semiótica da cultura assim citada por Mignolo: "um outro pensamento, como o concebo, é um pensar em línguas, uma globalização por meio da tradução de diferentes códigos, bem como de sistemas e constelações de signos que viajam ao redor e sob o mundo... Cada sociedade ou grupo de sociedades são uma parada e uma encruzilhada da estruturação global. Qualquer projeto estratégico que não se dirija a esses locais e não os envolva ativamente está, talvez, condenado a ser devorado, a voltar-se contra si mesmo entropicamente". (Mignolo, p. 115).

 

 

REFERÊNCIAS

 

            MIGNOLO, Walter. Histórias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura. São Paulo: Cortez, 2006.

POTY, Karai Awaju. awajupoty.blogspot.com

 

 

 

TECIDO VIRTUAL

 

            Quando Khatibi fala de sistemas e constelações de signos que viajam ao redor e sob o mundo parece que ele nos coloca ante uma atopia ou então diante de algo ficcional, como uma possibilidade que flutua em imagens evanescestes. Embora ele nos fale de uma realidade constatável.

            E quando diz que qualquer projeto estratégico que não envolva ativamente cada sociedade ou grupos de sociedades está, talvez, condenado a ser devorado, a voltar-se contra si entropicamente. Apenas peca pela dúvida. Porque também esta constatação tem fundamento no que vem ocorrendo recentemente em nossa macro-sociedade globalizada.

            O texto de Khatibi0 está em um texto de Mignolo com o qual dialoga Boaventura de Souza Santos com o seu título: "A Gramática do Tempo".

            O diálogo acontece em uma mídia artesanal, o livro. Caso esse diálogo acontecesse em uma mídia eletrônica como em um "blog", o tempo seria dilatado e agilizado e abriria a possibilidade de interação e teria uma abrangência, infinitamente maior. Então poderíamos observar com mais clareza do que está falando Khatibi: de uma mídia imediata e que percorre o globo, possibilitando uma resposta imediata e um público instantâneo, coisa que o livro precisa de anos para atingir, e que muitas vezes atinge quando o prazo de validade do texto já passou, porque a idéias caducam.

            Por exemplo o Blog "Hugh Hewitt.com", foi criado no início de 2002 e tem em média mais de 5 mil visitantes por dia. Ele superou a marca de 2 milhões de visitantes no início de 2004. É um blog muito interessante porém de mediana visitação, no entanto de incomparável alcance se compararmos com a mídia artesanal. Hewitt também escreve livros, e ele nos diz em sua obra artesanal intitulada: "Blog: entenda a revolução que vai mudar seu mundo" – "escritores escrevem hoje pela mesma razão que escreviam na época de Homero. O blog é apenas um novo modo de transmitir essa escrita, um meio que ignora completamente todos os editores.

            O público é o editor. (Hewitt. P. 140).

            (...) Não importa o que você é ou o que você faz todo o mundo da informação nos Estados Unidos passou por uma grande revolução, e essa revolução esta se estendendo a todos os centros do planeta". (Hewitt. P. 10).

            Então Katibi e Hewitt falam de uma mídia que ignora o que você é, o que você faz, ou onde você mora. Porque você faz parte de uma sociedade ou "grupo de sociedades" que são "uma parada e uma encruzilhada da estruturação global". (cf. Mignolo. P. 115).

            E Mignolo e Boaventura, em uma mídia artesanal discutem as questões de relação entre o norte e o sul do globo, entre os colonizados e os colonizadores.

            E como pensarmos em quem coloniza quem, hoje a Inglaterra bebe na fonte americana. O Brasil impacta Portugal. China, Índia, Brasil e México estão entre os treze países que compõem a cúpula do planeta. E tudo está se modificando com rapidez estonteante. Parece que estamos caminhando para a modernidade, porque a década passada era extremamente arcaica em sua maneira de se expressar e conceber o mundo.

            Na verdade o Boaventura parece um fóssil que lamenta o seu destino:

 

  "Quando em meados da década de 1980 comecei a usar as expressões pós-moderno e pós-modernidade, fí-lo no contexto de um debate epistemoógico (Santos, 1989, 2003ª). Tinha chegado à conclusão que a ciência em geral e não apenas as ciências sociais se pautavam por um paradigma epistemológico e um modelo de racionalidade que davam sinais de exaustão sinais tão evidentes que podíamos falar de uma crise paradigmática. Esse paradigma, cuja melhor formulação tinha sido o positivismo em suas várias vertentes, assentava nas seguintes idéias fundamentais: distinção entre sujeito e objeto e entre natureza e sociedade ou cultura; redução da complexidade do mundo a leis simples susceptíveis de formulação matemática; uma concepção da realidade dominada pelo mecanicismo determinista e da verdade como representação transparente da realidade; uma separação absoluta entre conhecimento científico – considero o único válido e rigoroso – e outras formas de conhecimentos como o senso comum ou estudos humanísticos; priveligiamento da causalidade funcional, hostil à investigação das "causas últimas", consideradas metafísicas, e centrada na manipulação e transformação da realidade estudada pela ciência.

        Ainda que tivesse em pano de fundo os estudos culturais e sociais da ciência que então emergiam, a minha argumentação contra esse paradigma assentava principalmente na reflexão epistemológica dos próprios cientistas, sobretudo físicos, da qual resultava claro que o paradigma dominante refletia cada vez menos a prática científica dos cientistas. Essa inadequação se, por um lado, dava credibilidade à crítica das conseqüências sociais negativas da ciência moderna, por outro permitia vislumbrar alternativas epistemológicas, um paradigma emergente que então designei por ciência pós-moderna". (Boaventura. P. 25).

 

 

            Porém é um engano pensar em Boaventura como um fóssil que lamenta a exaustão do paradigma científico da "ciência pós-moderna" (p. 25), mesmo ele usando termos que cheiram a poeira como "pós-modernismo de oposição" (p. 27). Isso na medida que ele se propõe a aprender com o sul, isso por si só inverte   os seus conceitos: "O meu apelo de aprender com o Sul  - entendo o Sul como uma metáfora do sofrimento humano   causado pelo capitalismo – significava precisamente o objectivo de reinventar a emancipação social indo mais além da teoria crítica produzida no Norte e da práxis social e política que ela subscrevera". (Boaventura, p. 27).

            E seu apelo e fundamental: "Em face das relações de dominação e exploração, profundas e de longa duração, que a modernidade ocidental capitalista instaurou globalmente, devemo-nos centrar na diferença entre os opressores e oprimidos e não na diferença entre os que, de várias perspectivas e lugares, lutam contra a opressão". (Boaventura, p. 35).

            Assim como o seu neo-pragmatismo tem sentido válido: "Não havendo uma lógica histórica que nos dispense das questões éticas suscitadas pela acção humana, só nos resta enfrentas estas últimas. E como não há nenhuma ética universal, só nos resta o trabalho de tradução e hermenêutica diatópica e a confrontação pragmática das acções com os seus resultados. Em termos éticos, o cosmopolitismo dos oprimidos só pode resultar de uma conversa da humanidade tal como John Dewey propunha. Nos últimos anos, o Fórum Social Mundial tem vindo a ser um embrião dessa conversa. (Boaventura, p. 44).

            Porém é bom lembrar que através da mídia eletrônica essa conversa já vai bem além.

 

REFERÊNCIAS

 

            MIGNOLO, Walter. Histórias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

HEWITT Hugh. Blog: entenda a revolução que vai mudar seu mundo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2007.

________ Hewitt.hugh.com

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura. São Paulo: Cortez, 2006.

POTY, Karai Awaju. awajupoty.blogspot.com

 

terça-feira, 10 de julho de 2007

O Xale

                                   O  XALE

 

Quando na véspera do dia de natal do ano de 1636, o povo dourado teve que deixar a província Guarani do Guayra e rumar para os sete povos do Uruguai, as índias retiraram o véu das suas cabeças e cobriram os seus ombros e o das suas crianças com xale de algodão e de lã. Os seus maridos, os seus filhos e os seus pais haviam ficado para trás, lutando com os sanguinários mamelucos que tinham nas mãos armas de fogo, retardando o seu avanço. A desolação era grande.

Nessa véspera de Natal as mulheres guarani choraram caminhando na noite escura rumo ao desconhecido, as araucárias foram ficando para trás e nunca mais elas veriam os grandes pássaros (harpias) sobrevoando as serranias.  Não havia como conter a emoção. Então Ñamandu (Deus) trouxe para elas um prodígio de alegria que surgiu da tristeza: a lágrima de cada mulher tingiu com a cor do seu sentimento o tecido da sua vestimenta que ao amanhecer brilhou ao sol, num espetáculo multicolorido de rara beleza, que foi um consolo para o coração.

Para recordar esse dia, ao branco, ao vermelho, ao azul e ao fio do sol, cada mulher acrescenta a sua cor pessoal na trama do tear da sua vida.

Durante os anos que se seguiram ao caminho das lágrimas, muitas gerações de guarani casaram-se com pessoas de outros povos e alguns perderam totalmente o contacto com o conhecimento tradicional.

Hoje os ensinamentos dos ancestrais começaram a chamar a atenção da população em geral e muitos dos filhos e das filhas da raça dourada às vezes chamados de caboclos, de bugres ou caiçaras voltaram ao caminho sagrado e a cobrir seus ombros com o xale de cinco cores; simbolizando o retorno ao lar de nossos avôs e avós, aos braços da mãe terra, envolvidos pelo seu amor e proteção.

A forma triangular com a ponta para baixo do xale guarani faz referência à feminilidade, a Jaxuka, o eterno princípio dinâmico da onde surge, sempre e em toda parte, toda a criação.

No esmero na confecção do xale a mulher guarani honra a beleza do mundo de Jaxuka e a graça do milagre de Ñamandu, que da tristeza faz brotar a alegria que se renova no amanhecer de cada dia.

 

 

Buonissima Musica

BUONISSIMA MÚSICA

 

 

O padre Ripário diz que todos os domingos a missa celebra-se com boníssima musica.   Peças escolhidas da música francesa, italiana e alemã eram executadas de um modo tão "cuidado, artístico e agradável", que se não estivessem à vista os músicos acreditar-se-ia que as melhores orquestras da Europa estavam de passagem pelas Índias [1]."

O povo Guarani teve muito prazer em compartilhar a musica trazida pelo Kexuita, pelos padres da companhia de Jesus. Mas não somente a música, mas todas as artes que com ele, com o Kexuita, veio: a escultura, a pintura, o fabrico de instrumentos, a marcenaria, a agricultura e também a literatura que, diga-se de passagem, era literatura cristã.   Mas, por outro lado, o povo Guarani já conhecia os ensinamentos de Kexu Krito, de Jesus, quando o Kexuita aqui chegou. Os padres Cataldino e Maceta, Montoya e Mendoza, entre outros, ouviram isso dos Guarani: que Xume já lhes tinha ensinado o que eles estavam dizendo.   Manuel da Nóbrega confirma: "Dizem eles que São Tomé, a quem  chamam Zumé, passou por aqui. Isto lhes ficou dito de seus antepassados [2]".

Muitos historiadores afirmam que os Guarani, que não haviam se dobrado pelas armas, se deixaram dobrar pelas artes e principalmente pela música dos Jesuítas. Lugon, parafraseando Charlevoix conta que "os Jesuítas , ao navegarem pelos rios, aperceberam-se de que quando, para matarem santamente (sic) o tédio, cantavam seus cânticos espirituais, bandos (sic) de índios acorriam para ouvi-los e pareciam ter nisso um gosto especial [3]".

Certamente os Guarani ficaram surpresos quando se depararam com os padres fazendo musica. Afinal somente tinham visto Juruá (europeus) que não eram amansados, que eram sanguinários, os jesuítas foram uma grata surpresa. Os Jesuítas estavam fazendo uma coisa que era de hábito para o Guarani, pegar o mimby, flauta de bico, de palheta ou de bocal e ir tocar junto ao rio, para sentir o espírito do rio, porque tocando mimby para o rio se entra em comunhão com ele, pode-se sentir que ele não é somente água, e que ele pode se revelar como ser vivo que é. Então entra-se em comunhão com a própria fonte de   toda a música, com a própria fonte da beleza e da vida.

Os Guarani fizeram música com o Kexuita e com o Juruá, mas nunca deixaram de fazer a sua música, e mesmo fazendo a musica do Juruá, nunca deixaram  de fazer da sua maneira, Ñande Reko, da maneira de ser Guarani, e só por isso a musica Guarani ainda existe hoje. Os Guarani sempre tiveram claro que Diferenciar não é separar. Que a consciência, Ñee, é uma, mas que ela é fluida nas águas das cachoeiras, leve nas azas dos pássaros, que ela florece nas árvores na primavera e frui de si na música dos mbaekwaa, dos sábios. E que o rosto de um filho que morre, para uma mãe, não é a imagem da fumaça que se esvai do petyngua, do cachimbo ritual que é fumado no rito de cremação dos mortos. É diferente, são planos diferentes de ser. E é preciso reconhecer a beleza do Ser, como a variedade das musicas, na variedade das manifestações do Ñee, respeitando esta variedade. A unidade da nossa espécie não é a uniformidade.

Em 1637, o padre Ripário escreveu ao provincial de Milão: "Muitos já sabem muito bem compor música. Podem rivalizar com famosos músicos da Europa. Usam uma grande variedade de instrumentos [4]".

Quando dois padres franceses, Hénard , de Toul, e Noel Berthold, de Lyon, chegaram às missões em 1628, os neófitos executaram para eles "bailados com uma música a duas vozes, ao bom gosto   da França [5]".

Então os Guarani tocaram musica sacra para os Jesuítas, Francesa para os Franceses, Bailados para os leigos e assim por diante. O que pode ser apreciado nos relatos sobre a música e os concertos que realizaram os Guarani, na Republica Livre e em suas expedições pelas vizinhanças e pela Europa é que havia nos Guarani   o desejo de se realizar com o outro, com esse povo extranho que tinha tomado conta de todas as terras à sua volta.

Portanto, houve o desejo de fazer música com o outro para se realizar, mas também o desejo do outro por ele mesmo. O povo Guarani amou a música do outro em sua diferença e pode cantar a sua alteridade. Mas faltou tanto para os Jesuítas quanto para os iluministas que festejaram o "bom selvagem" entendimento para compreender a diferença, outras possibilidades. Porque apenas quando desejamos o outro por ele mesmo, seja através da sua arte, ou da sua maneira de viver (religião) é que o desejo se torna amor.

E os Guarani desejaram também ser desejados, e este desejo que em muitos momentos se tornou ferida, está para lembrar, para ecoar para sempre nas matas do Sul da América do Sul, de que não podemos ser inteiros sozinhos. Que só podemos estar inteiros na relação com o outro.

Os Guarani aprenderam o que o Juruá tinha de melhor, que era a sua arte,e em especial a sua música. Mas o Juruá até hoje não aprendeu o que o Guarani tinha de melhor para lhe ensinar que é a sua maneira de ser, o Ñande Reko. E até hoje essa ferida esta aberta em forma de erosão no solo, de desmatamento, de sujeira (lixo e toda a poluição), uma pena que o Juruá não quis aprender a viver nesta terra, afinal, ensinaram para o guarani coisas tão bonitas, uma pena que não souberam aprender com a diferença e com a alteridade. E pior que tudo, os Juruá que surpreenderam os Guarani por serem amansados, foram embora e os Juruá sanguinários voltaram para confrontar, e em quantidade e em ferocidade muito aumentada, e não suportaram ver um povo   que tinha o seu ser inteiro, E foi perdida uma comunhão que as artes, que a música tinha conseguido.

Hoje há uma distância, e um desconhecimento mútuo, até mesmo uma rejeição. Mas essa distância não precisa ser uma separação, porque ela é inclusive necessária para que haja uma comunhão, para que seja possível uma comunhão, uma relação. Ou seja, só pode ser feliz o encontro de duas liberdades, de duas autonomias. Porque, o encontro de dois povos, de duas musicas ou de duas pessoas não pode ser o encontro de duas metades, mas o encontro de dois seres inteiros.

Em Guarani a saudação Ianai, que se traduz por "Deus está em nós", significa literalmente "estar inteiro".



[1] Welt-Bott, Parte 24, número 510.

[2] Informações das  Terras do Brasil, pág. 154.

[3] Lugon,C. A República Comunista Cristã Dos Guaranis. Pág. 143.

[4] Carta publicada em Pastells, tomo I, pág. 543.

[5] Citado por Muratori, págs 97 e 98.

sábado, 7 de julho de 2007

No Tempo dos Kexuitas

JOÃO JOSÉ DE FÉLIX PEREIRA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

KEXUITA ARA WA'EKWE

NO TEMPO DOS JESUÍTAS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CURITIBA

Outubro de 2005
 
 
 
 
 
 

SUMÁRIO

 

1     INTRODUÇÃO.................................................................................................3

 

2      MBORAYU: O SINAL GUARANI ............................................................... 4

 

3      ÑANDE REKO: A MANEIRA DE SER GUARANI ....................................8

 

4      RETE: IMAGEM E SEMELHANÇA DE ÑAMANDU ..............................12

 

5     PAJE : O SACERDOTE GUARANI   ........................................................14

 

6      OPA: O FIM ...................................................................................................16

 

7     NOTAS BIBLIOGRÁFICAS (Nb) ...............................................................19

 

8      BI BLIOGRAFIA ............................................................................................22

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1          INTRODUÇÃO

 

            A literatura sobre a cultura Guarani é relativamente muito abundante. Pode-se ter uma idéia disso ao se percorrer as notas bibliográficas (nb) e a bibliografia no final deste ensaio.

            Os Guarani [1] despertaram nos estudiosos da Europa, quase desde os primeiros contatos um interesse bastante apaixonado.

            De começo, fica-se surpreendido e desconcertado pela leitura dos escritos a respeito   dos Guarani. Em quase todos, mesmo em obras de caráter metódico, como a Relación Historial de las Missiones (1726), do padre Juan Hernandes, o maravilhoso surge a cada passo. Tudo é cândido, santo, sublime ou, no plano temporal, modesto, mesmo digno de comiseração.

            Como   veremos, nessa literatura, somos introduzidos num mundo de aparência legendária, num mundo irreal, inconsistente, situado fora do tempo e do espaço. A vida dos Guarani escapa. Séculos de uma vida religiosa rica e complexa   transcorre e nada muda, continuam sendo, sempre, os primitivos mais puros.

            O desafio neste estudo que apresento é o de ressaltar a experiência religiosa dos Guarani que perpassa através dessa vasta literatura que aborda o período de convívio dos Guarani com o cristianismo trazido da Europa em 1516 [2] e que perdurou até 1895 [3], com a chegada dos salesianos. Nesse período os Guarani estiveram aliados ao Kexuita [4].

 

 

 

 

 

 

 

2        MBORAYU: O SINAL GUARANI

 

O Mborayu, a maneira de amar, é a raiz; o Ñande Reko, a forma de viver, é o fruto. Um não pode existir   sem o outro, mas um é a causa e o outro é o efeito. Ou seja, a maneira de amar a vida, modela a forma de viver a vida.

O Ñande Reko não pode existir sem o Mborayu. Porém, o Ñande Reko só   deixa de existir para alguém que deixa de ser Guarani. O Ñande Reko é toda a existência Guarani; é o que os faz ser Guarani, é  a maneira Guarani de viver no Ñamandu Mborayu'guy, no amor de Deus, sem o Mborayu a vida para o Guarani perde o sentido, e então, o Ñande Reko deixa de existir.

O Kexuita veio para Pindo Retama, a terra Guarani, como missionários de Jesus Cristo, e encontraram aqui discípulos de Kexu Krito [5]. Acredito que houve aí um enriquecimento mútuo. Conforme destacou Jonh Stott: "quanto mais pobre é a nossa visão de Cristo, mais pobre será nosso discipulado. Quanto mais brilhante e rica for nossa visão de cristão, mais rico será o nosso discipulado"(nb2).

Sobre a forma como o Mborayu se manifestou entre os Guarani, Clovis Lugon nos diz o seguinte: "o sinal por excelência, que deve permitir discernirem-se os verdadeiros discípulos de Cristo, é o amor fraternal. Ele manifestou-se por assim dizer, de um modo permanente"(nb3). Muratori os compara com os primeiros cristãos: "Os neófitos vivem entre si como bons irmãos, e poder-se-ia aplicar-lhes perfeitamente o que a Escritura diz dos primeiros cristãos. Todos os que acreditavam em Jesus Cristo só tinham um coração e uma alma. Um homicídio é uma coisa inaudita, até o presente, nos povoados cristãos do Paraguai [6]. A discórdia raramente ocorre. Nunca se assistiu a processos ou querelas. O meu e o teu nem sequer são conhecidos entre eles (nb4)." A solidariedade fraterna era mais forte do que   a previdência individual e fazia florir a virtude da imprevidência. Obtinha-se, além disso, uma segurança superior. Em espírito de caridade e de penitência, os Guarani ofereciam muitas vezes horas suplementares de trabalho: " Todos,   ou quase todos, levam o desprendimento dos bens da terra até onde lhes é possível, com o socorro da graça. Nada possuem que não estejam dispostos a sacrificar, um dia, para aliviarem as necessidades dos outros (nb5)."

O auxílio não se dava somente de indivíduo para indivíduo ou de família para família, mas de grupamentos inteiros entre si, a ajuda mútua de redução para redução exercia-se também como um ato de amizade. Não era somente administrativa. "Se os habitantes de um povoado tinham uma colheita má, nas reduções vizinhas apressavam-se a levar-lhe alívio... Dão-lhe com que subsistirem comodamente até o ano seguinte e com que semearem suas terras" (nb6). Lugon relata que: "Quando da fundação de S. João, na margem esquerda do Uruguai, todas as reduções vizinhas ofereceram seus serviços e enviaram contingentes   de homens, bois e cavalos para ajudarem nos trabalhos" (nb7).

Os Guarani, não sem dificuldades, exerceram ações missionárias, pois muitas vezes a língua, os costumes e o caráter dos povos onde exerciam a sua ação nada tinham em comum com eles. É sobretudo por seu zelo missionário que o nível de caridade cristã dos guarani se revela: "Não há afrontas nem maus tratos a que eles não se exponham voluntariamente, na esperança de converterem um infiel. Quando conseguem convencer alguém a visitar uma redução, ele é recebido com todos os testemunhos da mais viva e sensível alegria. Quabto mais ele parece desprovido de humanidade, mais o acarinham. Alojam-no, alimentam-no, vestem-no, cada um   oferece-lhe o que tem de melhor. Ensinam-lhe a doutrina cristã e as orações da Igreja. E quando, a seguir, ele se decide a abraçar a fé, é alvo de júbilo público, a que ninguém, no povoado, se conserva insensível" (nb8).

Como os primeiros discípulos de Kexu Krito, muitas vezes os Guarani ofertaram a própria vida pela causa que abraçaram. Os Guarani partiam sozinhos em missão. "Após terem-se munido e fortalecido com a Sagrada Eucaristia, após terem recebido a benção e os conselhos do seu missionário, metiam-se alegremente a caminho... Entravam em todas as habitações índias que encontravam. Davam a conhecer aos infiéis a felicidade que se goza ao serviço do verdadeiro Deus   e o prazer que existe vivendo em sociedade. Explicavam, seguidamente, os principais artigos da doutrina evangélica... com  o mesmo espírito apostólico, certo cacique ocupava-se na tradução das prédicas e sermões, a fim de facilitar aos novos missionários o exercício, o mais depressa possível, das funções do mistério evangélico. Duas reduções foram fundadas graças a outro cacique, impregnado de espírito apostólico e que não cessava de percorrer todo um cantão com sua mulher, também batizada há pouco tempo. O cacique Francisco Arayaz, de S. Tomé, empreendia também, anualmente, uma proveitosa excursão. Verdadeiramente, o zelo exercia-se de um modo quase incrível e que tinha algo de prodigioso" (nb9). As conquistas têm seu preço. "Muitos desses apóstolos neófitos conheceram a ventura de derramar o seu sangue por Kexu Krito, e as notícias de tais mortes só excitavam, entre seus irmãos, uma santa emulação pelo martírio.   Em 1726, o Padre Hernan escrevia: 'Contamos já com cem mártires da caridade, que deram suas vidas para a conversão dos pagãos'.Trinta Guarani foram massacrados de uma só vez pelos paiaguás, com os padres Marco e Silva. Os nomes dos mártires Guarani parece, infelizmente, não terem sido transmitidos tão fielmente quanto teria sido possível e justo" (nb10).

Para os Guarani o Ñande Reko sempre foi a regra da vida e a presença de Ñamandu nunca é perdida de vista. Curioso é o porque de tanta admiração por parte do Kexuita e dos juruá, dos visitantes a esse respeito.

Lugon diz que: "o recolhimento dos Guarani, quando na igreja, testemunha também a qualidade de sua devoção"(nb11). Diz o Padre Peramas: "Percorri uma grande parte da Europa e da América, mas em nenhuma parte observei um recolhimento tão profundo na igreja"(nb12). O Padre Sepp fazia parte de uma equipe de novos missionários que foi recebida solenemente em Yapeyu, em 1691. Conta ele que as mulheres se encontravam, à chegada do cortejo, prosternadas diante do Santo Sacramento. "Nenhum se voltou ou olhou para o lado. Dir-se-ia mais estarmos na presença de anjos que de seres humanos"(nb13).

O tempo de labor não era diferente do tempo de oração mesmo no trabalho e na vida cotidiana, persistia certo recolhimento. Muratori fala do: "feliz hábito que eles contraíram de jamais perder de vista, por assim dizer, a presença de Deus e os deveres da religião. A religião não estava separada da vida. Era a regra da vida"(nb14).

Curiosa também, foi a abordagem   que o filósofo francês Raynal teve do Aty, o culto, conforme foi denominado, ou missa.Raynal escreveu na sua Histoire Philosophique dês Deux Indes: "Os jesuítas   tornaram o culto agradável, sem o converter numa comédia indecente. Uma música que agrada ao coração, cânticos comoventes, pinturas que falam aos olhos, a majestade das cerimônias, atraem os índios para as igrejas, onde o prazer se confunde com a devoção"(nb15).

Também, não foi bem compreendido por Charlevoix o dispêndio de tempo e trabalho na ornamentação do Opy, do templo Guarani, ele se refere a esse esmero da seguinte maneira: "flores recém-colhidas ornavam os altares durante o ano inteiro. Folhagens e guirlandas de flores naturais cobriam as paredes e enrolavam-se nas colunas. Nos dias mais solenes queimam-se perfumes, rega-se o pavimento com águas aromatizadas" e acrescenta: "Isto nada custa, porque existe neste país verdura e flores durante o ano todo; além de que os índios gostam muito dos bons aromas"(nb16).

A descrição dada, nas Lettres Edifiantes e por Muratori, foi resumida por Charlevoix, sobre um Guata Porã, ou procissão do Santo Sacramento: "Todas as ruas estão cobertas de toldos bem trabalhados e separados por guirlandas, festões e tapetes de verdura, em belíssima simetria. De espaço a espaço, vêem-se leões e tigres presos a fortes correntes, para que não perturbem a festa, e belos peixes que brincam em grandes tanques repletos de água. Numa palavra, todas as espécies de criaturas vivas a ela assistem como por deputação, afim de renderem homenagem ao Homem-Deus em Seu augusto sacramento e reconhecerem o soberano domínio que Seu Pai lhe conferiu sobre todas as criaturas animadas. Por onde quer que a procissão passe a terra esta coberta de esteiras e juncada de flores e ervas aromáticas. O canto dos pássaros, o rugido dos leões, o rosnar dos tigres, as vozes dos músicos, o canto coral dos agrupamentos vocais, tudo se faz ouvir sem confusão e forma um concerto que é único. Mas, por impressionante que seja esse espetáculo, a piedade, a modéstia, o respeito, a devoção, o ar de santidade que se espalha em todos os rostos, constituem o maior destaque da cerimônia, e o triunfo do Salvador do Mundo em parte alguma é mais completo que neste país selvagem onde o seu nome era desconhecido há menos de um século"(nb17).

Nessa afirmação final Charlevoix esteve totalmente equivocado, o nome de Kexu Krito, da maneira como o kexuita o pronunciava era desconhecido, mas não da maneira como o Awara ensinou, conforme veremos no capítulo seguinte. Por outro lado o país não era selvagem no sentido da barbárie, mas no sentido do equilíbrio da flora e da fauna e somente por esses pequenos detalhes que Charlevoix não considerou é que o triunfo do Salvador do Mundo em parte alguma foi mais completo que neste país "selvagem".

 

 

3        ÑANDE REKO: A MANEIRA DE SER GUARANI

 

Os Kexuita enriqueceram muito o Ñande Reko , porém o Ñande Reko os precedeu, precedeu mesmo a Xume, o Awara que os tornou discípulos de Kexu Krito, porque o primeiro Mboruwyxawete foi o   Ta'mandu'are, foi ele quem instaurou o Ñande Reko que nasceu, após o dilúvio. Foi Ta'mandu'are que ensinou aos Guarani a não terem vergonha da nudez porque rete, o corpo humano, é a imagem e semelhança de Ñamandu; ele também ensinou sobre Ywy'marã'hey, a terra sem mal, aonde viviam nossos primeiros pais, foi ele também quem ascendeu o primeiro fogo, tata porã e fez a primeira dança, jeroky e o primeiro canto, mborai, para celebrar o seu prazer de viver em Ñamandu após ser salvo por ele no dilúvio.

            Xume ensinou sobre a trindade e sobre o Kexu Krito mborayu'guy, o amor de Kexu Krito, que é o novo sendero para Ywy'mara'hey, que instaura Ara Pyau, o novo tempo, que irrompe de Ara Wa'ekwe, o velho tempo, também foi Xume que ensinou a medicina do pety, o fumo Guarani e o Kaayu, o chá de erva-mate, remédios para os males do corpo e do espírito.

            Clovis Lugon aborda esse tema de uma forma muito bizarra, ele diz: "O velho profeta dos Guarani, Tamamduaré, grande amigo de Deus, fora   advertido do dilúvio iminente. Com algumas famílias, refugiara-se no alto de uma grande palmeira, providencialmente carregada de frutos. Assim sobrevivera... Muitas outras tradições Guarani apresentavam analogias com os dados bíblicos. A crença na imortalidade era quase geral, sob diversas formas. A noção de pecado original existia de modo mais ou menos claro. Uma vez instruídos na religião cristã, os neófitos passaram a dar melhor expressão às suas anteriores idéias religiosas. Muitos pontos imprecisos ou não-formulados definiram-se"(nb18). Cherlevoix menciona, baseado no testemunho   dos primeiros missionários: "a Trindade, a Encarnação do Filho e a virgindade de sua mãe, a Ascensão do profeta que, por fim, se identificava com o sol. Se não huvesse tão grande distância entre ele e nós poderíamos distinguir no sol os traços de sua fisionomia"(nb19).

            A existência dessas crenças explicava-se, aos olhos dos missionários, por uma tradição encontrada no Paraguai e no Brasil, e transmitida pelo Padre Montoya: "a América teria sido evangelizada por um dos doze discípulos de Jesus, Tomé, Pay Tuma ou Zuma, também chamado Pay   Abara, isto é, Pai que vive no celibato. Pay Tuma predissera aos seus fiéis índios que os seus descendentes abandonariam a verdadeira fé, mas que, passados muitos séculos, novos enviados chegariam, armados de uma cruz semelhante aquela que ele levava consigo. Na região de Tuyati, os primeiros missionários, levando uma cruz como bordão, foram recebidos, com efeito, em nome de Pay Abara com extraordinária alegria, que os encheu de surpresa. Existe um grande caminho que conduz do Brasil até o Guairá, o qual, embora muito pouco percorrido, nunca se cobre senão de poucas pequenas ervas, e os naturais da região dão-lhe o nome de Pay Tuma. S. Tomé, o incrédulo, teria sido, assim, o primeiro a acreditar na existência da América. Pura lenda? É permitido que assim se pense. Curiosa lenda, de qualquer modo. Após ter citado os testemunhos preciosos de caciques pagãos e de jesuítas como Cataldino e Maceta, Montoya e Mendonza, Charlevoix conclui que a coisa não parecia mais fácil de refutar que de provar"(nb20).

            Os Guarani tratavam com humor a idiossincrasia do Kexuita, como na sua incompreensão de que o Tata Porã, o fogo, era sagrado e importante no cozimento dos alimentos, no abrigo do frio e na iluminação dos ambientes, ou seja, era um símbolo do bem. Então eles achavam engraçado o Kexuita coloca-lo como um símbolo do mal, como nesse relato de Muratori: "Os Guarani incultos do primeiro   período não manifestavam, evidentemente, um interesse ardente pelas verdades da fé ensinadas teoricamente. Por outro lado, esses índios, de que nos louvavam a simplicidade de espírito e a ingenuidade, não eram assim propensos à credulidade. Quando os padres falavam no fogo do inferno, eles respondiam calmamente que encontrariam com certeza um meio de extingui-lo, ou então diziam: - Assim não terei mais frio!"(nb21).

            Por outro lado vemos muitas vezes o Kexuita assimilando costumes Guarani, como por exemplo o do cultivo do fumo. Lugon nos diz que: "o ex-jesuíta Ibañez queixava-se de que os seus antigos confrades não falavam senão de vacas, cortumes e plantações de fumo"(nb22).

            Muitos mitos Guarani têm correspondência em textos bíblicos, como por exemplo o dilúvio. Muitas vezes os Guarani ao representarem e dançarem os seus mitos, não foram distinguidos de representarem mitos Kexuita. Fica evidente essa analogia nesta observação de C. Lugon, onde ele diz que: "Representavam-se narrativas bíblicas, guaranizando completamente o estilo e as personagens. O povo participava intensamente no jogo de cena. Para ele era mais do que teatro. Era o mundo dos espíritos tornado vivo e sensível, com um grande papel, sobretudo nas danças alegóricas"(nb23).

            Outro relato importante que nos apresenta Lugon descreve um domingo em Pindo Retama. Ele nos diz que: "Nos domingos à tarde, quando não havia representação, divertiam-se organizando jogos, dançando, "mas os homens dançavam sós" (nb24), diz Muratori: "Não sei se as mulheres também dançam"(nb25). Os melhores cavalheiros exibem-se em concursos acrobáticos. Os jovens organizam corridas sobre andas com seis côvados de altura; outros passeavam sobre a corda fixa, distinguiam-se nos jogos de argolas, ou executavam as danças mais complicadas. O jogo de bola recebia todos os favores. Os Guarani foram, de resto, inventores do futebol. Cardiel observa que: "as suas bolas eram de borracha e muito mais elásticas do que as bolas da Europa. Em vez de lançarem a bola com as mãos, jogavam-na com os pés. Até os velhos se apaixonavam pelos espetáculos esportivos. Acompanhavam o seu desenrolar fumando cachimbo, mascando fumo ou tomado rapé" (nb26).

            Sobre o adestramento militar, Lugon diz que: "o tiro com arco era o esporte favorito das crianças, um esporte nacional de antigas tradições e um meio de defesa militar. Os Guarani conservaram sempre formações de arqueiros. A caça como o laço também não tinha segredos para os índios (nb27). Diz Muratori: "O que é quase inacreditável, é que os índios apanham da mesma maneira (com laço) os animais de maior ferocidade" (nb28).

            Com relação ao matrimônio, os próprios Kexuita testemunharam   a permanência do sistema matriarcal, assim como da opção por ser Arandu, Awara, ou seja da opção pelo celibato, mesmo entre casais.

            O padre Sepp conta que: "Pelo menos em sua redução, as moças tomavam mais frequentemente a iniciativa. Em Yapeyu, fora admitido o costume de, quando uma menina-moça se sentia atraída por um rapaz, ela ia falar com o padre para obter o seu apoio. O padre convocava então o jovem. 'Estás contente?' – perguntava-lhe o sacerdote. Se o jovem respondia Nay (sim), o padre inscrevia-o na lista dos próximos casamentos. Segundo outro costume, a mãe da moça dirigia-se primeiro a mãe do rapaz. A seguir, os dois jovens eram consultados. Se ambos respondiam nay, o contrato ficava virtualmente concluído. Na verdade, essas diligências rituais ou oficiais não faziam, por via de regra, senão sagrar os sentimentos já confessados e jurados. O pároco convocava, entretanto, os noivos à parte para certificar-se de que ambos agiam livremente, e não houvera pressão por parte dos pais ou de um alcaide. Todos os anos se apresentavam um ou dois casos em que o interessado declarava que o impeliam para o noivado, mas que este não era de seu gosto. O padre assegurava ao noivo contrariado, ou a noiva à força, a sua proteção contra todos os eventuais dissabores" (nb29).

            As mulheres sempre tiveram autonomia entre os Guarani, desde a mais remota antiguidade, e continuaram a ter nas reduções, conta-se que: "Na recepção ao Padre Sepp uma mulher pronunciou na igreja, em seguida ao corregedor, um discurso de boas-vindas composto por ela mesma, muito bem pensado e proferido com a maior naturalidade, na presença de toda a população. Nas oficinas de tecelagem, assim como nos campos, as turmas de mulheres eram dirigidas por mulheres, que elas tinham livremente eleito. Recorde-se que o seu trabalho nos campos quase se limitava à colheita do algodão. Os cemitérios eram inteiramente deixados aos cuidados das mulheres, que os conservavam o ano todo com o aspecto de um magnífico jardim de flores. Os padres organizavam também para as moças   conferências sobre educação, que obtinham o mais vivo sucesso de curiosidade e interesse, mas cujos resultados não satisfaziam aos jesuítas. Estes, queixavam-se com freqüência, da incapacidade das mães guarani para exerceram, em relação aos filhos, a mínima severidade, mesmo em palavras. O amor dessas boas mães, indulgentes demais aos olhos dos pedagogos entendidos em método, nem por isso produzia menos efeitos positivos: os autores estão de acordo em descrever a vida de família dos neófitos como extremamente calorosa e cordial" (nb30).

            Todavia foi mantida a opção do celibato para os que desejavam ser Arandu. O padre Montoya conta que na noite de seu casamento, um jovem da congregação disse a sua esposa, donzela devota e igualmente muito pura: "Quero que saibas ser meu desejo conservar a perfeita castidade do meu corpo, para que a minha alma se conserve também pura ... Se aceitas que vivamos até ao fim de nossas vidas como castos irmãos, isto será para mim a maior prova de que me amas ... Pense bem. Esta vida é breve, a outra vida é eterna. As alegrias carnais são passageiras, suas penas infinitas. E se o casamento é permitido e bom, melhor ainda, disseram-nos os padres, é viver na virgindade. Eu sei bem que os padres nos pregam a todos que a nossa perfeição se encontra no casamento, que apazigua o apetite dos prazeres ... Agora estamos casados perante o mundo, mas no nosso segredo seremos irmão e irmã" (nb31). A donzela declarou então que os sentimentos assim expressos também eram os seus. Ambos viveram na virgindade, sem que pessoa alguma suspeitasse disso.

 

4        RETE: A IMAGEM E SEMELHANÇA DE ÑAMAMDU

 

Rete é o corpo, feito de Retã, a terra, à imagem e semelhança de Ñamandu, de Deus.

Foi difícil para os Guarani entenderem porque que o Kexuita tinha vergonha do corpo, porque proibia a nudez, porque fazia tanta questão das roupas mesmo em dias quentes. E o Kexuita adornou o Guarani com roupas muito ricas, para que deixassem as suas singelas, mas   para o  Kexuita despudoradas, roupas de algodão. Segundo os Kexuita, nossos primeiros pais andavam nus, depois se vestiram com túnicas de peles, que o próprio Ñamandu fez para eles, parece que no paraíso não se precisava de muita roupa.

Lugon diz que: "Sem se vestirem luxuosamente, nem com grande apuro, os Guarani apresentavam-se melhor do que a maioria dos espanhóis das colônias vizinhas. Não seria possível descobrir em parte alguma uma só pessoa andrajosa"(nb32).

Muratori nos diz que: "Havia em cada redução um primeiro sacristão e dois outros que lhe estavam subordinados, seis coadjuvantes que envergavam cabeção e longo hábito, com a cauda   arrastando três ou quatro palmos, à maneira dos sacerdotes espanhóis" (nb33).

Muratori ainda nos diz que: "As crianças, ao som de uma orquestra de trinta a quarenta instrumentos, executavam suas danças até diante do altar. Trajando roupas preciosas, em seda e ouro" (nb34).O Kexuita trouxe a oposição entre o corpo desnudo e o corpo vestido.

Em Gênesis, no capítulo três, temos Adão e Eva desnudos enquanto puros, e envergonhados de si, e buscando esconderem o seu corpo após o pecado. Compreendendo que Kexu Krito nos livrou de todo o pecado, então não precisamos mais nos envergonhar do próprio corpo.

Certamente haviam inimagináveis espécies de frutos no paraíso, comer o fruto interditado era desnecessário. O desejo do que era desnecessário nos fez perder a noção do que era necessário, e desnecessariamente nossos pais se cobriram com folhas de parreira porque desnecessariamente sentiram vergonha. Então surgiram as necessidades desnecessárias (cf. Mt 6.8).

O homem e a mulher foram guiados pela cobiça, pelo desejo do desnecessário, do proibido. E então se envergonharam um do outro, porque descobriram que seus olhos eram cobiçosos, que eram olhos adulterados pela loucura do desejo. Perderam de vista o necessário: o amor. Perderam o paraíso.

O pecado não está no corpo desnudo mas no olhar adúltero.

Nossos pais Adão e Eva nos legaram esse grande ensinamento: que não devemos cobiçar o que Deus não nos dá. Nossos pais erraram para nos não precisarmos errar. Deus nos deu essa lição para que pudéssemos aprender logo na matriz de nossa espécie a desventura da transgressão de comer do fruto proibido, do fruto desnecessário.

O Kexuita quis beneficiar o Guarani, lhe trazendo a vergonha do corpo e todas as implicações psiquicamente nocivas que isso traz. Na verdade o mundo seria bem melhor se houvesse menos pessoas nocivas querendo mudá-lo e transformá-lo.

Kexu Krito falou que qualquer que atentar para outrem com cobiça comete adultério, ou seja, o pecado não está no corpo, mas no olhar cobiçoso. Ele disse: "Ouvistes o que foi dito aos antigos: não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar já em seu coração cometeu adultério com ela" (nb35).

Kexu Krito quando falava era como uma flor desabrochando, como o sol nascendo, era um fenômeno divino, naturalmente, e o mundo todo era beneficiado. O Kexuita quando falava queria beneficiar mas só causava danos. O Kexuita quando falava não era um fenômeno divino nem natural, outras coisas estavam envolvidas, ao falar estava fazendo um jogo político, existia uma estratégia, uma tática, a intenção de modificar, de controlar, de manipular, de dominar estavam presentes.

O Kexuita fazia parte do aparato de opressão embora sua intenção aparentemente não fosse essa. Um aparato que visava escravizar o ser, controlando o seu corpo, controlando os seus movimentos embora tivesse a intenção de libertá-lo.

Rete, o nosso corpo, é a imagem de Ñamandu, não temos porque ter vergonha dele. E Kexu Krito nos libertou de todo pecado, de toda vergonha, para que pudéssemos ser: "perfeitos como é perfeito o nosso Pai que está nos céus" (nb36). E o nosso corpo é a imagem dessa perfeição. Devemos então olhar para ele com gratidão e respeito por essa maravilha que Ñamandu nos fez.

 

5        PAJE: O SACERDOTE GUARANI

 

Os Ywyraija e as Ywyraijari, os Ñanderu'i e as Ñandexy'i, os Mboea e as Mboea sempre foram os paje Guarani, também foi aceito o Kexuita como paje, mas o Kexuita não aceitou o paje Guarani. Ou seja,   o Guarani aceitou o paje, o padre jesuíta, mas este não aceitou o padre Guarani.

Comenta Lugon: "Os Guarani, que comentavam com facilidade e fervor, durante meia hora, o sermão dominical, diante de toda a população, teriam   podido dar, ao que parece bons pregadores e bons sacerdotes. Teriam podido instruir-se, aprender o latim e seguir os cursos de teologia tão bem quanto os filhos dos conquistadores e num espírito mais sacerdotal. Os jesuítas do Paraguai e do Prata tinham o controle dos colégios e seminários. Dirigiam, além disso, a universidade de Córdoba. Ter-lhes-ia sido facílimo dar à elite uma formação superior, orientar, em todo caso, os melhores jovens para o sacerdócio instruindo-os, in loco, se necessário e se houvesse o receio de reações coloniais" (nb37).

Quanto a castidade, o povo   que conhecia noivos e esposos geralmente tão virtuosos teria podido fornecer sacerdotes de que o clero colonial certamente não se envergonharia. Os Guarani tinham alcançado um domínio moral invejável. Assim escrevia Cherlevouix: "O que não se contesta, em toda a América meridional, é que não se vislumbrava nestes índios o menor vestígio do seu antigo caráter, que os levava à vingança e à crueldade, à independência e aos vícios mais grosseiros. Jamais suas bocas proferem uma palavra indecente. O que ouvem ou vêem mais suscetível de os escandalizar, somente lhes inspira um horror ainda maior pelo vício" (nb38).

Nas cidades espanholas, por mais que tentassem arrastá-los, oferecendo-lhes, por exemplo,vinho com grande insistência, eles mantinham-se firmes. "O vinho é a melhor das coisas que chegam de Espanha – respondiam eles, de bom grado, não sem uma ponta de ironia. – Para nós é um veneno!"(nb39).

Depois da partida dos jesuítas, um Guarani o Abade Januário Tubixapota, foi ordenado. Seguira cursos de filosofia e teologia no seminário diocesano de Buenos Aires.

As leis não se opunham à ordenação de sacerdotes indígenas. Filipe II (1588), Carlos ll (1697), Filipe V (1725), e Carlos III (1766), haviam declarado que os índios podiam ter acesso a todos os cargos e ser ordenados padres. Os preconceitos foram mais fortes do que as leis civis e religiosas. Na medida em que deles se era eventualmente liberado, não se podia talvez chegar a ponto de os desafiar sem correr graves riscos. Ao que parece, era por esse prisma que se conseguia, senão justificar pelo menos explicar de modo mais razoável uma lacuna imensamente lamentável. "Se os Guarani possuíssem um clero indígena, sua história, ulterior poderia ter sido muito diferente no plano religioso e, provavelmente, no plano temporal" (nb40).

As mulheres e as moças não receberam também a possibilidade de se consagrarem   à Deus num estado à parte. Tal como os homens, teriam igualmente sido muito dignas disso. Escreve Cherlevoix: "Chegamos ao ponto de inspirar nelas tão grande horror pela impureza, que esta as leva a submeterem-se voluntariamente às penitências mais humilhantes, por mínima que seja a liberdade que se permitam a si mesmas nesse gênero. Vêem-se frequentemente donzelas que se deixam matar por infiéis que as queriam seduzir. Mas, por maior segurança, ainda não se julgou oportuno exortá-las ao celibato" (nb 41).

Na prática, desviavam-se as moças do celibato e mantinha-se fechado o acesso à vida religiosa. O padre Charles, S.J., reconheceu muito francamente que a linha de conduta assim seguida não merecia aprovação. Diz ele: "Parece-me que teria sido possível, apesar dos preconceitos, fundar entre eles institutos de religiosas indígenas. As melhores, entre as cristãs, manifestavam espontaneamente esse desejo e queriam manter-se virgens. Nos relatos oficiais do Paraguai, escritos pelos próprios missionários, parece, por vezes, que se vai assistir à eclosão da vida conventual entre esses selvagens! É um sábado, após longa sessão confessional. O padre, no limiar da igreja, encontra um pequeno grupo de duas ou três cristãs particularmente devotas, que se aproximam timidamente. Uma delas diz: - Pai, gostaríamos tanto de pertencer à Deus, não nos casarmos, ficar juntas para orar e praticar a virtude, não repartir o nosso coração e oferecer a Jesus toda a nossa vida! – O padre, embaraçado, comovido por esse discurso, hesita em responder. Essas moças são ainda jovens, o empreendimento é tão inaudito, os riscos de fracasso tão grande e desastrosos. Recomenda o fervor, fala do bom exemplo, não se atreve a entreabrir, para essas almas, a estrada real dos conselhos evangélicos. O preconceito da época parecia intangível. Já se escandalizavam em todos os meios jansenistas da Europa com a sem-cerimônia com que os jesuítas admitiam aos sacramentos os filhos de pagãos e os exegetas inexoráveis comentavam, com alusões transparentes, a defesa evangélica de dar coisas santas aos cães. Esses índios puros, castos, sinceros e devotos, teriam querido consagrar à Igreja e a Cristo suas vidas e corações. Tal desejo jamais foi mitigado. O Paraguai desenvolveu-se e manteve-se durante cento e cinqüenta anos sem uma religiosa, indígena ou européia" (nb42).

Nestes comentários, onde temos a palavra dos próprios Kexuita, podemos observar a contradição, o preconceito e a artimanha. Infelizmente as amarras dessa época e o medo da perda do mando não permitiram aos Kexuita agirem como discípulos de Kexu Krito.

 

 

6        OPA: O FIM

 

O opa foi o fim, o acaso das reduções, da república livre Guarani. Após esse período os Guarani voltaram à sua origem, puderam respirar novamente o ar puro da selva, a liberdade de desnudos poderem banhar-se nas águas límpidas das cachoeiras, de aprofundar novamente a sua relação com os outros irmãos, os seres pássaros, pedras, gente nuvem, trovão, povo estrela; enfim, com todos os seres criados por Ñanderu Papa Tenonde, nosso pai criador de mundos e universos. Mas isso teve um preço.

A união com os Kexuita, garantiu uma força necessária, que salvaguardou o Guarani por três séculos da barbárie dos invasores europeus.

Em 17 de janeiro de 1817 começaram os infortúnios. Tudo começou em Entre-Rios, porque uma liderança importante Guarani, Andrecito Takwary, era filho adotivo do General José Artigas, chefe do Estado Provisório da "Margem Oriental", que se insurgira contra Buenos Aires. O General Artigas foi derrotado em Cuareiru, a 4 de janeiro de 1817, pelo Marquês de Alegrete. Perseguido pelos portugueses Artigas refugiou-se em Entre-Rios, onde tinha numerosos partidários, graças, precisamente, a seu filho adotivo Andrecito.

A intenção de Artigas era reorganizar um exército nas missões. A conseqüência foi terrível. A evolução dos acontecimentos, segundo Martin de Moussy, o primeiro historiador da ruína das reduções, foi o seguinte: "O Marquês de Alegrete, suspeitando das intenções de Artigas, tomou uma decisão extrema. Ele era o governador e capitão-geral da província do Rio Grande; o General Chagas estava, portanto,   sob as suas ordens. Assim ordenou-lhe que cruzasse imediatamente o Uruguai, destruísse completamente todos os povos das Missões ocidentais e recolhesse a população, para a repartir pelas Missões brasileiras. Nada deveria restar de pé, nem igreja, nem habitações, nem Capelas, nem estâncias, nada, enfim, que pudesse sevir um dia para reagrupar essas populações, que assim eram entregues a todos os horrores de um extermínio calculado" (nb43).

Com efeito, prossegue Martin de Moussy: "o General Chagas mostrou-se o executor fiel e consciencioso dessas ferozes medidas. A 17 de janeiro de 1817, atravessa o Uruguai, no passo de Itaqui, à frente de dois mil homens de tropas de primeira linha. Ocupa La Cruz, que não oferece resistência, visto que todos os índios válidos tinham fugido, e aí estabelece o seu quartel-general. Envia então o Major Gama, com trezentos homens de cavalaria, para destruírem Yapeyu, que sua população abandonara também. Gama realizou sua operação à vontade, não deixando pedra sobre pedra na antiga capital das Missões. No seu regresso, teve algumas escaramuças com Andrecito, mas foi socorrido a tempo por Chagas. D. Luís de Carvalho foi encarregado de destruir S. Tomé, S. José, Apóstolos, Mártires e São Carlos, desempenhando-se da tarefa tão bem quanto Gama. Parece, contudo, que Andrecito o pressentiu em S. José e pode salvar a tempo a população, embora dispusesse ali de pouca gente, visto que o grosso de suas tropas se encontrava mais longe, em Entre-Rios, com José Artigas, que não se desencorajara com a derrota e queria, como efetivamente o fez, recomeçar a guerra contra os portugueses. Outro lugar-tenente de Chagas, Cardoso, destruiu Concepción, Santa Maria Maior e S. Xavier" (nb44).

As reduções repartidas pelos governos do Brasil, Argentina e Paraguai, tiveram fim igual, sem resistência.

Cinqüenta anos após o extermínio assim é descrita a Redução de São Nicolau e a de Yapeyu, a capital de Pindo Retama: "Os arredores de S. Nicolau estão cobertos de magníficos laranjais que formam um grande bosque. Nessa espécie de floresta vive uma dezena de famílias índias. É impossível de perceber, à primeira vista, o estreito caminho que conduz às suas casas, e ninguém pensaria que ali houvesse habitantes. Mas, aos domingos, vê-se repentinamente sair uma procissão, do meio das árvores, umas cinqüenta pessoas que se dirigem ao edifício do Cabildo, onde aquela boa gente depositou todas as estatuas e imagens que conseguiu salvar das ruínas da igreja, e que serve assim, de capela. Aí praticam suas devoções. Um bosque impenetrável encobre a localização de Yapeyu, a antiga capital, verdadeira cidade, fácil de reconhecer pela área ocupada por suas ruínas. Para examinar os destroços que aí subsistem, é preciso abrir caminho com um facão de caça, através da vegetação densa que a envolve. Reconhecem-se as paredes da igreja, as do colégio, a residência dos padres, os armazéns. A fila de casas que orlava a grande praça estava sob uma dupla galeria sustentada por pilares em madeira de Urundei, a melhor essência dessas paragens. Botaréus em pedra vermelha, muito bem trabalhados, sustentavam esses pilares, alguns dos quais ainda estão em pé, ao passo que outros jazem por terra, meio calcinados. Meia dúzia de famílias vive em redor dessas ruínas e de tempos em tempos desbastam um pedaço de floresta para aí semearem o milho... A magnífica igreja incendiada por Chagas sucedeu uma cabana miserável cujos muros são de terra batida e cuja pobreza interior está abaixo de tudo o que se possa imaginar" (nb45).

Concluo que foi uma lástima a incompreensão por parte do Kexuita e do Juruá, do europeu, do Ñande Reko, da maneira de ser e viver Guarani. E mais lamentável ainda foi a tentativa de extermínio dessa forma de viver. Também lamentável a não compreensão por parte dos teólogos e estudiosos da época de que a diversidade e o diálogo só trariam enriquecimento mútuo.

Os Guarani dialogaram e ainda continuam   dialogando com o espírito Kexuita, posto que ele ainda é vivo e pulsante dentro do Ñande Reko. E ainda buscam espaço para dialogar com o Juruá e compreender as suas ações contraditórias, que trouxeram tanta sujeira (poluição), tanto atropelo e tanta destruição (crime, assalto, doença, sofrimento) para Pindo Retama.

Porém, vejo com muita tristeza declarações como a do atual Papa Bento XVI, Joseph Ratzinger, de que a teologia indígena apresenta: "desvios doutrinais" (nb46). Ou, como a do Bispo Javier Lozano Barragan, da diocese mexicana de Zacatecas,   que diz: "a teologia índia não dispõe de uma sólida base filosófica e científica, capaz de fazê-la merecedora do título de teologia cristã (nb47)".

Mas há luzes no caminho, como o questionamento que nos traz o bispo Geraldo Flores, da Diocese de Vera Paz, na Guatemala que como Eleazar Hernandez condena um tipo de pensamento cristão que, do alto da sua arrogância, não reconhece aos povos indígenas o valor e a dignidade de sua experiência religiosa antiga e atual.

O verdadeiro perigo, disse o bispo Guatelmalteco, é o "medo frente aquilo que não se conhece", e também: "um comodismo fechado da parte de alguns pastores". Incapazes de acolherem o "sopro do Espírito" presente na teologia índia, "procuram frear, com os mesmos critérios de quinhentos anos atrás, todo esse movimento, pondo-lhe a etiqueta de diabólico e perverso" (nb48).

Como podemos ver, a questão prossegue, como no Kexuita Ara Wa'ekwe.

Há'ewei!

 

 

7        NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

 

Nb1: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 331.

Nb2: Stott, John, Primeiro Congresso Internacional sobre Discipulado". Eastbourne, Inglaterra, 1999. Extraído do discurso de abertura do Primeiro Congresso Internacional sobre Discipulado.

Nb3: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 247

Nb4: Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Histoire du Paraguay, Paris, 1747, 6 vols., 2608 páginas; 670 páginas de documentos espanhóis e franceses. Obra traduzida em espanhol, italiano e alemão. (As referências a Charlevoix I dizem respeito à edição em 3 volumes, de 1756.) Tomo I, p. 247.

Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743. p. 93

Nb5: idem nb4.

Nb6: Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743. p. 94.

Nb7: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 248.

Nb8: Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743. p. 94.

Nb9: Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Lettres Édifiantes, Tomo V, passim. Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Tomo II, IV e VI.

Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743. páginas. 128, 129 e 130.

Nb 10: idem a nb   9

Nb 11: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 233.

Nb12: Katholiche Missionen, Die, Monatschrift, Freiburg, 1894, p.254.

Nb13: Sepp, Pe. Anton, S. J., Reisebeschreibung...und Kurzer Berich der Denkwurdigsten Sachen..., etc., Nuremberg, 1697.

Nb14: Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743.

Nb15: Raynal, Tomo III, p. 305.

Nb16: : Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Tomo I págs. 258 e 259.

Nb17: Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Histoire du Paraguay, Paris, 1747.

Nb18: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p.221.

Nb19: : Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Tomo I, p. 313.

Nb20: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 222

Nb21: Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel nel Paraguay", Nápoles, 1743. p. 75.

Nb22: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p.224.

Nb23: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 208.

Nb24: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 210

Nb25: Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel nel Paraguay", Nápoles, 1743.

Nb26: Cardiel, Padre José, S. J., Breve Relación de lãs Misiones del Paraguay. – obra escrita em Bolonha, em 1770, publicada integralmente em Hernandez, tomo II, págs.514 a 614.

Nb27: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 211.

Nb28: Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743.

Nb29: Sepp, Pe. Anton, S. J, e Cardiel, Padre José, S. J., Breve Relación de lãs Misiones del Paraguay. – obra escrita em Bolonha, em 1770, cápitulo VII, número 53.

Nb30: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. , p. 206

Nb31: Montoya, Pe. Antônio Ruiz de, Conquista Espiritual... del Paraguay, Madri, 1639.

Nb32: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 218.

Nb33: Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743. p. 151.

Nb34: Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743. p. 81.

Nb35: Mt 5. 27,28.

Nb36: Mt 5.48

Nb37: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 244.

Nb38: Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Histoire du Paraguay, Paris, 1747. Tomo I. p. 261 e 262.

Nb39: Hernandez, Pablo, S. J., Organización social de lãs doctrinas guaranis, Barcelona, 1913, Tomo II, p. 40.

Nb40: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 245.

Nb41: Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Histoire du Paraguay, Paris, 1747. Tomo I. p. 257.

Nb42: Charles, Pierre, S. J., Lês Reductions du Paraguay, Louvain, 1926. p. 28,29 e 30.

Nb43: Moussy, Dr. Martin de, Descriptión Géographyque et Statistique de la Confederation Argentine, Paris 1860-1864. Tomo III. p. 686 e 689.

Nb44: idem nb 43.

Nb45: Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949. p. 253 e 254

Nb46: Hernandez, Eleazar de. Deus Já Morava Aqui Antes. Três Últimos Tópicos. Cenami, México, 1994.

Nb47 e Nb48: idem a nb 46

 

 

8          BIBLIOGRAFIA

Anônimo, Relazione Breve Della Republica che i Religiosi Gesuiti Hanno Stabilita ..., Lugano, 1759, 133 páginas. Contém a tradução italiana da "Relação Abreviada" de Pombal, diferentes documentos traduzidos do Guarani e o Breve Immensa Pastorum, do Papa Bento XIV, sobre o regime colonial.

Azara, Dom Félix de, Voyage dans L'Amérique Meridionale, Paris, 1809.

Cardiel, Padre José, S. J., Breve Relación de lãs Misiones del Paraguay. – obra escrita em Bolonha, em 1770.

Charlevoix, Pierre François Xavier de, S. J., Histoire du Paraguay, Paris, 1747

Hernandez, Eleazar de. Deus Já Morava Aqui Antes. Três Últimos Tópicos. Cenami, México, 1994.

Las Casas, Bartolomeu. O Paraíso Destruído. Tradução comentada da Brevíssima Relacion de la Destrucción de las Índias Occidentales, 1552. Porto Alegre, L e PM Editores (1985).

Ladeira, Maria Inês. O Caminho sob a Luz. São Paulo. PUC/TESE. 1992.

Litterae Annuae Soc. Jesu, Pragay, 1581-1654. Lettres Édifiantes et Curieuses, escritos das Missões Estrangeiras. Revista Internacional da Companhia de Jesus, a respeito das reduções Guarani, aí se encontram cartas dos padres Rodero, Cattaneo, Sepp, Labbe, de padres flamengos e numerosos padres espanhóis. Citamos de acordo   com a edição de Lyon, 1819.

Lugon, Clovis, La Republique Comuniste Chrétienne Dês Guaranis – 1610/1768. Lês Éditions Ouvriéres, Paris, 1949.

Muratori, Relation dês Missions du Paraguay, Paris,1826 (primeira edição francesa:1754). Tradução do italiano: "Il Cristianesimo felice nelle missioni de Padri della Compagnia di Gésu nel Paraguay", Nápoles, 1743.

Pereira de Queiroz, Maria Isaura. O Mito da Terra Sem Males: Uma Utopia Guarani. In Revista Vozes. Petrópolis, Vozes, 1973.

Sepp, Pe. Anton, S. J., Reisebeschreibung ... und Kurzer Bericht   der Denkwurdigsten Sachen. Nuremberg, 1697.

Shaden, Egon. Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani. São Paulo, EDUSP. (1954).

 

 

 

 

 

 



[1] Os Guarani: na língua Guarani a palavra Guarani não tem plural, ela já designa uma coletividade.

[2] Pindo Retama, o país Guarani foi assaltado pela primeira vez em 1516 pela armada de Juan Dias de Solis.

[3] Conforme Lugon: "Os Salesianos estabelecidos em Assunção retornaram contato em 1895 com os Guarani, que há muito tempo só conheciam representantes sumamente imperfeitos da religião cristã pregada pelos Jesuítas"(nb1).

 

[4] Kexuita: forma Guarani de denominar e compreender os Jesuítas.

[5] Kexu Krito: forma Guarani de denominar e compreender Jesus Cristo.

[6] Paraguai: o Juruá, o europeu, sempre confundiu, e tentou restringir o país Guarani ao Paraguai.