quarta-feira, 27 de junho de 2012

AGUYJE: A MATURAÇÃO


                                                                 
Em aty realizado no Tekowa Pu’aka, yxa de Kwaray, ano de 51998, a Ywoty fez a seguinte pergunta para o Awaju:
Xe’ru, meu pai, na resposta que foi dada para o Tupanju, sobre Wy’a, a felicidade, foi colocado que o propósito do Ñande Reko é o Aguyje, certo?
A resposta do Awaju foi:
Xe’rajy, minha filha, o propósito do Ñande Reko é caminharmos em felicidade rumo ao aguyje.
Para o Tupanju coloquei que a felicidade depende da fé nos Kora, ou seja, da fé no que é licito. Agora, você me pergunta sobre a questão que é chave para o Ñande Reko. Ou seja, o Aguyje.
Antes de te falar sobre o Aguyje gostaria de te dizer que ressaltei a necessidade de cumprirmos com o que é lícito, porque não podem ser felizes pessoas a quem lhe remoem as lembranças de más ações. Porque não cabe felicidade em quem acolhe pensamentos de vingança, inveja, ciúmes e ódio. Porque não cabe felicidade em quem não tem o coração puro e a consciência límpida. Nenhum estímulo, nem riqueza ou honrarias, podem lhe dar a verdadeira felicidade; darão apenas um simulacro da felicidade, sucedido de um grande vazio. A única condição para a cura do mal é o reparo das más atitudes e o pedido de perdão e misericórdia; nisto consiste a cura, pois a doença é o mal não sanado. Por isso Emanu após curar dizia: “Os teus pecados te são perdoados”(1).  A doença é um sintoma de transgressão ao Kora.         
O aguyje é a maturação do ser, e depende da santificação, que alguns chamam de estado de graça, outros de iluminação. Os orientais chamam de Nirvana, os japoneses de Satori, e assim por diante. Mas nenhuma é a mesma coisa. Assim posso te dizer que a maturação do ser depende da santificação, e que a realização da santificação é o aguyje.
O ponto fundamental desta questão é mesmo a santificação, e daí, nos resta saber, o que é e que fazer para se obter a santificação. Digo que o mapa já nos foi dado por Moxe (2). E que a Kora (3), o decálogo, esta na tradição de todos os povos, e traduzido para todas as línguas; assim, é só realizá-lo.
Antes de iniciarmos nossas recomendações para a obtenção da santificação, vamos identificar como é um santo. Isso porque muitos hipócritas e moralistas tentam passar por santo, colocando inclusive jugo sobre os demais, aparte de manifestarem um indevido sentimento de superioridade. Porém suas atitudes apenas enganam aos tolos, pois os frutos de suas ações são ocres e cheios de espinhos, deixando clara a qualidade de sua matriz. Acredito mesmo que essa atitude é advinda de uma grande falta de senso crítico e de um desconhecimento absurdo de si mesmo.
Por outro lado, uma pessoa santa é como água pura, livre de toda contaminação e capaz de purificar todas as coisas. Assim como a água pura é transparente, a pessoa santa manifesta transparentemente a Personalidade de Emanu dentro de seu coração. O amor a Emanu é o reservatório de toda a felicidade. A água produz uma vibração muito agradável à medida que flui e cai em cascatas. De modo semelhante, a vibração sonora de um arandu (devoto) é muito atraente e bela.
Agora vamos ao caminho para o aguyje:
Os Kora revelam o caráter de Ñamandu. Ñamandu é amor e sua lei é amor. “O cumprimento da lei é o amor”(4). A obra de santificação consiste em reconciliar a humanidade com Ñamandu, pondo-os em harmonia com os princípios da sua lei.
Emanu orou por seus dicipulos: “Santifica-os em tua verdade; tua palavra é verdade” (5). E lhes disse: “Quando venha o espírito de verdade, ele os guiará a toda verdade” (6). E o harpista cantou: “Tua lei é a verdade” (7).
Então, amor sem cumprimento dos Kora, pode ser qualquer outra coisa, menos amor. E, santificação: é amor puro. Assim, o caminho para o aguyje é a santificação que é obtida com o amor puro. O sentimento de prazer em cumprir a Kora, é o amadurecimento do amor (8), ou seja, o Aguyje.
Em nossos aty (cerimônias) temos uma forma (desenho), ao qual respeitamos, temos nossa Xy’na’oka, que é o Opy, nossa Oka mãe, a casa sagrada onde fazemos os aty, temos o Kora, o Aywu Porã, o Awaxy, o Tata Porã, o Jeroky, o Petyn, o Ka’ayu, os Poã e ypy, nossos mitos. E tudo tem um sentido para nós, e um sentido que pode ser diferenciado para cada um de nós.
      Outros povos têm outra maneira de ser, e nos devemos respeitá-los, porque somos uma grande família, a família humana. Ñanderu Papa Tenonde certamente prefere o diálogo, a reconciliação e a cooperação à discórdia entre seus filhos e filhas amados.
Por outro lado, as religiões, por assim dizer, são muito semelhantes, e quase sempre têm os mesmos objetivos, apresentando as mesmas proposições de maneira e em linguagens diferentes. Portanto, as religiões devem ter o papel de reconciliar e não de dividir. Uma religião que pregue a segregação e que se julgue a única certa ou a melhor, não esta cumprindo com seu papel de propagar o bem, a tolerância e o amor.
De Ñamandu tudo veio. Nós e tudo que existe somos uma emanação (criação) de Emanu. Emanu tudo fez com grande beleza, ele é um grande artista; sua fala é poesia. E, seu espírito é a verdade.
A linguagem de Ñamandu é mito-poética, e sua emanação é pura musica, por isso não é possível conhecê-lo, compreendê-lo ou falar dele de maneira discursiva. Uma música se sente, vibramos com ela, mas não se explica; quando muito podemos indicá-la.
Em todos os povos, em todas as línguas o Kora’tam (coração) se expressa, emana como cor, som, perfume e tem o sabor de tudo que é bom e faz bem; porque a graça é dom de Ñamandu, que é derramada sobre todos os santos. O aroma de Ñamandu desabrocha em todos os jardins e é espalhado pelos quatro ventos.
Tolo é o homem ou a mulher que pensa que uma determinada religião ou seita possui a verdade única, como se a posse da graça de Ñamandu fosse sua posse, em detrimento dos demais filhos de Ñamandu Papa Tenonde. Como se seus guias cegos estivessem acima de  Ñamandu e pudessem demandar sobre seus desígnios. Emanu emana seu espírito santo aonde lhe apraz. Isso os santos de todos os povos, de todas as línguas, de todas as religiões sabem, porque têm Koratam (9).

          NOTAS
1-      Ver: Lucas 5:20.
2-       Moxe: Moises. Por tradição, foi quem nos ensinou a centrarmos em torno do Tata Porã (fogo sagrado), que se manifestou pela primeira vez em forma de sarças de fogo.
3-       Kora: O decálogo recebido por Moxe.
4-      Ver: Romanos 13:10.
5-      Ver: João 17:17.
6-      Ver: João 16:13.
7-      Ver: Salmo 119:142.
8-      Amor: No sentido do Mborayu; Ver “Mborayu” (tese de doutorado).
9-      Koratam: Coração. Literalmente, firmeza na lei; o cerne da madeira, madeira de lei.