sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Novos Tecidos

Awaju Poty

Ara poty - 2007

 

SEMIOSE COLONIAL

 

No século XVI, a educação, a conversão e o conflito dos sistemas escriturais relacionados com a religião, bem como os discursos coloniais que classificavam o planeta de acordo com a etnicidade (pele, cor, lugar geográfico) e um sistema de signos (língua, alimentação, vestuário, religião, etc), reforçam aspectos que fundamentam a instauração da colonialidade. Do século XVIII até aproximadamente 1950, a palavra cultura tornou-se algo entre "natureza" e "civilização". Ultimamente, a cultura tornou-se a outra extremidade, ou o outro lado, dos interesses financeiros e do capital. (cf. Mignolo, p. 38).

            No século XVI, missionários espanhóis julgavam e hierarquizavam a inteligência e civilização dos povos tomando como critério o fato de dominarem ou não a escrita alfabética. Esse foi um primeiro momento para a configuração da diferença colonial e para a construção do imaginário atlântico, que irá constituir o imaginário do mundo colonial/moderno.

            Ao se aproximar do fim do século XVIII e início do XIX o critério de avaliação já não era a escrita, mas a história. "Os povos sem história" situavam-se em um tempo "anterior" ao "presente". Os povos "com história" sabiam escrever a dos povos que não a tinham (sic!).

            No início do século XIX, Max Weber transformou o discurso dos missionários sobre essa lacuna em celebração da conquista, pelo ocidente, do verdadeiro saber com o valor universal.

            Na verdade o "choque de cosmovisões" vem sendo um fato dos últimos quinhentos anos, e o choque ocorreu no século XVI como ocorre até hoje. Conforme nos elucida Mignolo: "... nenhuma das cosmovisões em choque permaneceu inalterada e não ocorreram apenas entre anglo-americanos e índios norte-americanos". (Mignolo, p. 29).

            Desde o sonho de um Orbis Universalis Christianum até a crença de Hegel em uma história universal, narrada de uma perspectiva que situa a Europa como ponto de referência e de chegada: o eurocentrismo torna-se uma metáfora para descrever a colonialidade do poder. A história universal contada por Hegel é uma história universal na qual a maioria dos atores não teve a oportunidade de ser também narradores. (cf. Mignolo, p. 41).

            Assim, a semiose colonial "acontece" no entrelugar de conflitos de saberes e estruturas de poder. Como assinala Mignolo: " ... a semiose colonial exige uma hermenêutica pluritópica pois, no conflito, nas fendas e fissuras onde se origina o conflito, é inaceitável uma descrição unilateral" e prossegue alertando que não é só isso mas que também a distinção entre o que conhece e aquele que é conhecido deve ser superada, "o objetivo é apagar a distinção entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido". (cf. Mignolo, p. 42).

            Do projeto do Orbis Universales Christianum, aos padrões de civilização (mercado global), os projetos globais têm sido o projeto hegemônico para o gerenciamento do planeta. Contudo, não é difícil enxergar que, atrás do mercado, como objetivo último de um projeto econômico que se tornou um fim em si mesmo, existem a missão cristã do colonialismo moderno inicial (renascença), a missão civilizadora da modernidade secularizada e os projetos de desenvolvimento e modernização posteriores à segunda guerra mundial.

            O neoliberalismo, com sua ênfase no mercado e no consumo, não é apenas uma questão econômica, mas uma nova forma de civilização. A sua raiz encontra-se na expansão ocidental posterior ao século XVI por ela não ter sido apenas econômica e religiosa, mas também a expansão de formas hegemônicas de conhecimento que moldaram a própria concepção de economia e de religião. Em outras palavras, foi a expansão de um conceito "representacional" de conhecimento e cognição que se impôs como hegemonia epistêmica, política e ética. (cf. Mignolo, p. 48).

            Em síntese, a semiose colonial traz a perspectiva de descrever o conflito entre povos feitos de saberes e memórias diferentes, visando identificar momentos precisos de conflito entre duas histórias e saberes locais,   um reagindo no sentido de avançar para um projeto global planejado para se impor, e outro visando às histórias e saberes locais forçados a se acomodar a essas realidades.

            Por outro lado, o moderno sistema mundial nasceu no longo século XVI. As Américas, como construto social, nasceram no longo século XVI. A criação dessa entidade geossocial, as Américas, foi o ato constitutivo do sistema mundial moderno. As Américas não foram incorporadas a uma economia capitalista mundial já existente. Ao contrário, não poderia haver uma economia capitalista mundial sem as Américas.

 

         REFERÊNCIAS

 

            MIGNOLO, Walter. Histórias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

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NOVOS TECIDOS

 

Estabelecer uma relação necessária entre a experiência humana de Ñamandu (Deus) como experiência plena de sentido e a experiência Guarani de Ñamandu como experiência da sua presença na linguagem do Ñande Reko (maneira de ser Guarani: música, dança, ritos, cerimônias, etc) é um dos problemas mais decisivos que se apresentam a vida espiritual, num mundo confuso e dividido entre a razão operacional das ciências e das técnicas e a extraordinária proliferação de novas formas de experiência do sagrado – de experiência religiosa – que irrompem vigorosamente à margem das enormes clareiras que a razão vai abrindo nos mistérios do universo e do homem, são como clareiras abertas por moto serras na mata exuberante da plenitude de vida, restando apenas as margens, em meio aos destroços e as queimadas.

O que quero dizer é que para poder se fazer entender neste momento presente é preciso se fazer entender na linguagem que é usada. Ou seja, na linguagem eurocêntrica, seja ela espiritual (cristã) ou materialista (científica), para traduzir conceitos que são Guarani. Até mesmo usando o nome de origem grega "Deus" (o senhor do Olimpo) em lugar de Ñamandu. E citando a bíblia canônica, o livro da religião hegemônica e os textos dos teólogos cristãos ou doutores que decidem sobre a verdade, como um bricole ou uma bela colcha de retalhos coloridos, onde com pedaços escolhidos dizemos o que tem sentido para o Ñande Reko, ou seja, para a nossa maneira de ser. Da mesma maneira convém trabalhar com a ciência e seus dogmas seculares, remontando com seus fragmentos novos tecidos, "porque a luta pela vida não é uma luta contra indivíduos, mas contra as forças de Tau (as forças espirituais do mal), nas regiões celestes". (cf. Ef. 6.12).

            O espírito (Ñee porã) procede do espírito e sua simples presença necessariamente produz conflito porque questiona o caráter absoluto do pensamento hegemônico, e discernimento entre o que traz vida e o que traz morte. "Cheiro de morte para a morte, aroma de vida para a vida". (II Cor 2. 15-16).

            Por muito tempo o cristianismo se arvorou dono de Deus. E o cheiro de morte se alastrou pelo mundo. No século XVI, a hoje América Latina foi conquistada em nome dos reis católicos da Espanha. Tratava-se não somente de uma conquista militar, mas também de uma conquista religiosa. Tratava-se não somente de implantar a cultura ibérica, mas também uma cultura cristã. No século XIX a extensão missionária cristã esteve tão estreitamente vinculada com o colonialismo europeu que o cristianismo chegou a ser identificado na Ásia e na África como a religião do homem branco.

            Atualmente, no entanto, a outra forma de "cristianismo – cultura" que vem dominando o cenário mundial: o " American Way of Life". O fenômeno é descrito por um autor evangélico norte-americano nos seguintes termos: "temos equiparado o americanismo com o cristianismo até o ponto de estarmos tentados a crer que as pessoas em outras culturas, ao converterem-se, devem adotar os padrões institucionais estadunidenses. Através de processos psicológicos naturais somos levados a crer inconscientemente que a essência de nosso American Way of Life é basicamente – senão totalmente – cristã". (Padilla, p. 28). Assim usando o nome de Deus homens e nações agem impondo os seus interesses, e a história da missão cristã é a história dessa grande mentira que o homem realiza tratando de ser Deus em autonomia com relação a Deus. Porque ninguém pode dizer Ñamandu (Deus) senão pelo Ñee porã (espírito de Deus), assim como "ninguém pode dizer: Senhor Jesus! Senão pelo Espírito Santo". (I Cor. 12.3).

            Penso que muitos povos do mundo estão fazendo a vontade do Pai que esta nos céus. E que muitos cristãos estão dizendo Senhor, Senhor aos senhores deste mundo. Mas é bom lembrar que Jesus disse: "Nem todo o que diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus". (Mt. 7.21). Penso que muitos missionários são guias de cegos! Que coam o mosquito e engolem o camelo". (Mt. 23, 23-24).

            Fico contente pela mensagem de Yeshua (Jesus) ser pleno do Ñee porã (espírito de Deus) porque posso usá-la para desenraizar a grande mentira, para lutar pela libertação dos dogmas da ciência e da religião eurocêntrica porque ela sempre teve cheiro de morte, e hoje cheiro de morte causado pela fome. O sistema cristão é apenas um eurocentrismo com roupagem universal. O atual sistema religioso, científico e industrial está a serviço do capital, não da humanidade, age com hipocrisia e cinismo, contaminando o novo ambiente e a despeito dos avanços tecnológicos e de uma expansão industrial que não tem precedentes na história humana estamos mais distante do que nunca da solução de problemas básicos. A era da técnica que deu luz à libertação da energia atômica e, iniciou a conquista do espaço é, também, paradoxalmente, a era da fome.

            As nações ricas e as pessoas abastadas se recusam a reconhecer a relação que há entre a sua opulência e a carência das pessoas pobres e das nações pobres porque a avareza está no próprio fundamento econômico em que se embasa a sociedade de consumo. (cf. Padilla, p. 60). Então, fica a pergunta: porque será que a sociedade ocidental tem esse anseio de flatulência, de gordura, de obesidade física e espiritual, em um mundo que cada vez é mais escasso em recursos físicos e espirituais? Assemelha-se ao desespero de ratos embarcados em uma nau que está afundando, quando roem as suas próprias unhas e cometem autofagia, pois estão obesos por devorar com ansiedade as suas próprias vidas e a do planeta.

            A mentira acontece na raiz do cristianismo, no momento em que Yeshua foi denominado Cristo, porque Christos era Orfeu, Yeshua nunca se denominou assim, então passou a ser venerado Orfeu e seu culto de morte em lugar do Messias. Assim como a divindade de Yeshua nunca foi Deus (Zeus). Essa mudança de nomes veio com uma mudança de paradigma, é a dissolução da verdade de Yeshua.

            O "pequeno Apocalipse" de Marcos 13 (Mt. 24 e Lc. 21) faz referência ao "abominável da desolação" (v. 14), cuja aparição coincidirá com um período de sofrimento sem paralelo na história. Trata-se da descrição de uma pessoa que encarna a mais repugnante idolatria (como a que se tem hoje pelos bens de consumo). A terminologia deriva-se diretamente de Daniel 9.27, 11.31, 12.11, textos que têm como pano de fundo a profanação do templo de Jerusalém, cometida por Antíoco Epífanes, que o transformou em um centro de adoração a Zeus olímpico, de quem o tirano pretendia ser uma manifestação terrena (ano 166 a.C.). (cf. Padilla, p. 122). Nessa época o templo de Jerusalém tinha se transformado em um grande shopping center. Yeshua quando veio tentou por para fora os vendilhões que nessa época se instalaram no templo, houve reações e como em nossa época, parece que quem foi posto para fora foi Yeshua, como foi posto para fora da igreja cristã. Mas Yeshua hoje ainda pode ser encontrado na luz do sol que nos ilumina, na água da vida dos rios límpidos que saciam a nossa sede, no ar puro que sopra em nossas narinas nas manhãs de brisa suave nas matas, no pão da vida que brota nos roçados comunitários (ma'ety) de milho, mandioca, feijão, abóbora, etc,etc, no olhar dos simples que ainda não foram pervertidos (convertidos pela religião hegemônica), no coração dos que clamam por justiça, nos que estão nas margens das clareiras abertas pelas moto serras do sistema hegemônico.

 

REFERÊNCIAS

ARAÚJO DE OLIVEIRA. Manfredo. Diálogos entre Razão e Fé. Edições Paulinas.

LIMA VAZ, Henrique C. de. Escritos de Filosofia. Problemas de Fronteira. Edições Loyola.

PADILLA, René. Missão Integral. Ensaios sobre o Reino e a Igreja. Temática Publicações. São Paulo. SP. 1992.

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TECIDO ARTESANAL

 

 

 

Não é difícil, hoje, haver engano na abordagem feita por estudiosos vítimas da monocultura do tempo linear com relação ao entendimento de culturas que estão fora desse sortilégio. Principalmente quando buscam justificar as suas certezas em historicismos exóticos, ou melhor, com racionalidades externas às culturas que se busca entender.

            Por exemplo, hoje, muitos povos estão reafirmando suas tradições e buscando independência com relação à racionalidade do mercado. Ou seja, estão voltando à arquitetura, a agricultura, a tecelagem e a cerâmica artesanal, que lhes propicia autonomia, auto-suficiência e saúde – equilíbrio físico e ecológico.

O que quero dizer é que somente quem vive dentro dessas sociedades silenciadas, pode compreender o significado da pausa, do tempo e do silêncio que decorre e que perpassa os seus corpos e seus espaços.

Então, não é de estranhar quando se ouve de pensadores exóticos às culturas artesanais, falarem sobre ela, entendendo-as como anacrônicas. Porque o seu tempo é outro e a freqüência do seu ouvir é outro. Podemos apenas fazer um apelo: para que as deixem assim existindo em sua sanidade, quando não se consegue celebrar com elas.

Por exemplo, o bem intencionado pensador português Boaventura de Sousa Santos, falando sobre o tempo afirma que: "num período dominado pela agricultura mecanizada e industrializada, o pequeno camponês artesanal ou de subsistência deve ser considerado como algo anacrônico ou atrasado". Que: "duas realidades sociais que ocorrem em simultâneo não são necessariamente contemporâneas". (Boaventura, p. 44).

Na verdade, a busca do artesanal é uma busca pós-industrial, visando apenas qualidade de vida. Vida desmassificada. Embora, despropositadamente, essa busca quando feita por coletividades como ocorre com as comunidades indígenas, gere uma obstrução à lógica do mercado "puro".

Walter Mignolo, citando Bordieu, Hinkelammert e o subcomandante Marcos, traz uma possível compreensão para esse fenômeno, qualificando esse momento como a emergência do pensamento liminar. Ele diz: "a emergência do pensamento liminar é, outra vez, um rompimento com a razão instrumental pós-iluminismo, cuja manifestação atual é palpável no que Pierre Bordieu chama – a essência do neo-liberalismo – e descreve como um programa para a destruição de possíveis iniciativas coletivas que possam ser consideradas uma obstrução à lógica do mercado puro, naquilo que Franz Hinkelammert define como – a racionalidade do mercado por si só – e no que o subcomandante Marcos rotula de – a quarta guerra mundial. (Mignolo, p. 129).

 Por outro lado, Boaventura compreende que: "não há conhecimento em geral nem ignorância em geral. Cada forma de conhecimento conhece em relação a um tipo de ignorância e, vice-versa, cada forma de ignorância é ignorância de um certo tipo de conhecimento".(Boaventura,p. 85).

Com relação aos produtos artesanais e industriais, podemos dizer que são saberes que se ignoram. Sem dúvida um tecido de tear primitivo, por exemplo, e um tecido de poliéster industrial, obviamente, são tecidos. O primeiro pode ser usado por quem o produz ou possa pagar muito por eles. O segundo pode ser usado por qualquer um, mas principalmente por quem não sabe tecer ou não pode pagar por coisa melhor. Mas num passado bem recente todos sabiam fazer a sua vestimenta, na qualidade necessária para o seu gosto e conforto, isto digo me referindo às culturas ameríndias.

Nesse caso, a tecelagem é uma tradição, a persistência de uma memória. Analogamente, como bem entende Mignolo, referindo-se às tradições da África e da Europa ele nos diz que: "não há diferenças entre as tradições africanas e européias. Tanto a África como a Europa as têm, e ambas têm modernidades e colonialidades, embora em diferentes configurações". (Mignolo, p. 98).

No que concerne à intelecção desses saberes tradicionais nativos especificamente da América, Mignolo constatou que: "intelectuais ameríndios na América Latina ou índios norte-americanos estão numa posição fronteiriça, não por se terem deslocado mas, porque o mundo se moveu em sua direção". (Mignolo, p. 110).

Mignolo tem razão em sua constatação, eu complementaria dizendo que esse deslocamento se deu em quase todos os sentidos, menos em um. Há uma busca e uma supervalorização dos produtos silenciosos, ou seja, dos objetos indígenas. E seus produtores, também como pessoas, são interessantes objetos de estudo. Por exemplo, sobre o povo Guarani há uma vastíssima bibliografia, uma das maiores do planeta. Porém, há um sentido que não se move em direção ao povo Guarani, é o auditivo, porque para esse fim ele é inútil, pois não é dado ao povo Guarani voz.

Sobre esse silêncio, Mignolo pontua que: "sociedade silenciadas são, é claro, sociedades em que há fala e escrita, mas que não são ouvidas nas produções planetárias de conhecimento, orientados pelas histórias locais e as línguas locais das sociedades silenciadoras". (Mognolo, p. 108).

Eu penso que, hoje, vivemos uma dupla possibilidade dentro de uma dupla situação. Uma delatada pelo subcomandante Marcos. Mas também há espaço para outra que é concebida por Khatibi em sua visão semiótica da cultura assim citada por Mignolo: "um outro pensamento, como o concebo, é um pensar em línguas, uma globalização por meio da tradução de diferentes códigos, bem como de sistemas e constelações de signos que viajam ao redor e sob o mundo... Cada sociedade ou grupo de sociedades são uma parada e uma encruzilhada da estruturação global. Qualquer projeto estratégico que não se dirija a esses locais e não os envolva ativamente está, talvez, condenado a ser devorado, a voltar-se contra si mesmo entropicamente". (Mignolo, p. 115).

 

 

REFERÊNCIAS

 

            MIGNOLO, Walter. Histórias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura. São Paulo: Cortez, 2006.

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TECIDO VIRTUAL

 

            Quando Khatibi fala de sistemas e constelações de signos que viajam ao redor e sob o mundo parece que ele nos coloca ante uma atopia ou então diante de algo ficcional, como uma possibilidade que flutua em imagens evanescestes. Embora ele nos fale de uma realidade constatável.

            E quando diz que qualquer projeto estratégico que não envolva ativamente cada sociedade ou grupos de sociedades está, talvez, condenado a ser devorado, a voltar-se contra si entropicamente. Apenas peca pela dúvida. Porque também esta constatação tem fundamento no que vem ocorrendo recentemente em nossa macro-sociedade globalizada.

            O texto de Khatibi0 está em um texto de Mignolo com o qual dialoga Boaventura de Souza Santos com o seu título: "A Gramática do Tempo".

            O diálogo acontece em uma mídia artesanal, o livro. Caso esse diálogo acontecesse em uma mídia eletrônica como em um "blog", o tempo seria dilatado e agilizado e abriria a possibilidade de interação e teria uma abrangência, infinitamente maior. Então poderíamos observar com mais clareza do que está falando Khatibi: de uma mídia imediata e que percorre o globo, possibilitando uma resposta imediata e um público instantâneo, coisa que o livro precisa de anos para atingir, e que muitas vezes atinge quando o prazo de validade do texto já passou, porque a idéias caducam.

            Por exemplo o Blog "Hugh Hewitt.com", foi criado no início de 2002 e tem em média mais de 5 mil visitantes por dia. Ele superou a marca de 2 milhões de visitantes no início de 2004. É um blog muito interessante porém de mediana visitação, no entanto de incomparável alcance se compararmos com a mídia artesanal. Hewitt também escreve livros, e ele nos diz em sua obra artesanal intitulada: "Blog: entenda a revolução que vai mudar seu mundo" – "escritores escrevem hoje pela mesma razão que escreviam na época de Homero. O blog é apenas um novo modo de transmitir essa escrita, um meio que ignora completamente todos os editores.

            O público é o editor. (Hewitt. P. 140).

            (...) Não importa o que você é ou o que você faz todo o mundo da informação nos Estados Unidos passou por uma grande revolução, e essa revolução esta se estendendo a todos os centros do planeta". (Hewitt. P. 10).

            Então Katibi e Hewitt falam de uma mídia que ignora o que você é, o que você faz, ou onde você mora. Porque você faz parte de uma sociedade ou "grupo de sociedades" que são "uma parada e uma encruzilhada da estruturação global". (cf. Mignolo. P. 115).

            E Mignolo e Boaventura, em uma mídia artesanal discutem as questões de relação entre o norte e o sul do globo, entre os colonizados e os colonizadores.

            E como pensarmos em quem coloniza quem, hoje a Inglaterra bebe na fonte americana. O Brasil impacta Portugal. China, Índia, Brasil e México estão entre os treze países que compõem a cúpula do planeta. E tudo está se modificando com rapidez estonteante. Parece que estamos caminhando para a modernidade, porque a década passada era extremamente arcaica em sua maneira de se expressar e conceber o mundo.

            Na verdade o Boaventura parece um fóssil que lamenta o seu destino:

 

  "Quando em meados da década de 1980 comecei a usar as expressões pós-moderno e pós-modernidade, fí-lo no contexto de um debate epistemoógico (Santos, 1989, 2003ª). Tinha chegado à conclusão que a ciência em geral e não apenas as ciências sociais se pautavam por um paradigma epistemológico e um modelo de racionalidade que davam sinais de exaustão sinais tão evidentes que podíamos falar de uma crise paradigmática. Esse paradigma, cuja melhor formulação tinha sido o positivismo em suas várias vertentes, assentava nas seguintes idéias fundamentais: distinção entre sujeito e objeto e entre natureza e sociedade ou cultura; redução da complexidade do mundo a leis simples susceptíveis de formulação matemática; uma concepção da realidade dominada pelo mecanicismo determinista e da verdade como representação transparente da realidade; uma separação absoluta entre conhecimento científico – considero o único válido e rigoroso – e outras formas de conhecimentos como o senso comum ou estudos humanísticos; priveligiamento da causalidade funcional, hostil à investigação das "causas últimas", consideradas metafísicas, e centrada na manipulação e transformação da realidade estudada pela ciência.

        Ainda que tivesse em pano de fundo os estudos culturais e sociais da ciência que então emergiam, a minha argumentação contra esse paradigma assentava principalmente na reflexão epistemológica dos próprios cientistas, sobretudo físicos, da qual resultava claro que o paradigma dominante refletia cada vez menos a prática científica dos cientistas. Essa inadequação se, por um lado, dava credibilidade à crítica das conseqüências sociais negativas da ciência moderna, por outro permitia vislumbrar alternativas epistemológicas, um paradigma emergente que então designei por ciência pós-moderna". (Boaventura. P. 25).

 

 

            Porém é um engano pensar em Boaventura como um fóssil que lamenta a exaustão do paradigma científico da "ciência pós-moderna" (p. 25), mesmo ele usando termos que cheiram a poeira como "pós-modernismo de oposição" (p. 27). Isso na medida que ele se propõe a aprender com o sul, isso por si só inverte   os seus conceitos: "O meu apelo de aprender com o Sul  - entendo o Sul como uma metáfora do sofrimento humano   causado pelo capitalismo – significava precisamente o objectivo de reinventar a emancipação social indo mais além da teoria crítica produzida no Norte e da práxis social e política que ela subscrevera". (Boaventura, p. 27).

            E seu apelo e fundamental: "Em face das relações de dominação e exploração, profundas e de longa duração, que a modernidade ocidental capitalista instaurou globalmente, devemo-nos centrar na diferença entre os opressores e oprimidos e não na diferença entre os que, de várias perspectivas e lugares, lutam contra a opressão". (Boaventura, p. 35).

            Assim como o seu neo-pragmatismo tem sentido válido: "Não havendo uma lógica histórica que nos dispense das questões éticas suscitadas pela acção humana, só nos resta enfrentas estas últimas. E como não há nenhuma ética universal, só nos resta o trabalho de tradução e hermenêutica diatópica e a confrontação pragmática das acções com os seus resultados. Em termos éticos, o cosmopolitismo dos oprimidos só pode resultar de uma conversa da humanidade tal como John Dewey propunha. Nos últimos anos, o Fórum Social Mundial tem vindo a ser um embrião dessa conversa. (Boaventura, p. 44).

            Porém é bom lembrar que através da mídia eletrônica essa conversa já vai bem além.

 

REFERÊNCIAS

 

            MIGNOLO, Walter. Histórias locais/ projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.

HEWITT Hugh. Blog: entenda a revolução que vai mudar seu mundo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson, 2007.

________ Hewitt.hugh.com

SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura. São Paulo: Cortez, 2006.

POTY, Karai Awaju. awajupoty.blogspot.com