MBORAI PORÃ
Mborai: forma nominal do verbo intransitivo
iporai, cantar, rezar. Mbo: prefixo derivacional. Prefixo causativo que forma
um radical verbal transitivo de um radical verbal intransitivo, adjetivo ou
substantivo. Ocorre antes de orais, quando nasais usa-se: mo.
Conjugações do verbo iporai:
Presente:
Xe aporai. Nde’e reporai. Ha’e
oporai. Ñande japorai. Ore roporai. Pende pe’eporai. Há’e kwere oporai.
Passado:
Xe aporai wa’ekwe. Etc.
Futuro:
Xe aporai wa’erã. Etc.
Condicional:
Xe aporai Wa’ekwerã.
Presente contínuo:
Xe aporai wae.
Negativo:
Xe ndaaporai.
Imperativo:
Nde’e teporai. Ha’e teporai. Etc.
Interrogativo:
Xe aporai pa? Nde’e reporai pa? Etc.
Como em Mboraywu que é a forma nominal do verbo intransitivo
iporaywu, ter amor, bondade.
Conjugação do verbo iporaywu
Presente:
Xe aporaywu. Etc.
Porã:
Adjetivo Bom, agradável,
maravilhoso, esplêndido. Ganhou o sentido de sagrado. Obs: possivelmente esse
sentido foi um empréstimo, na medida em que no Ñande Reko tudo é sagrado porque
é manifestação de Ñamandu. Então surge a dicotomia, porã passa a designar
sagrado, e a palavra iporã, então fica com o significado original do adjetivo.
Acredito ser uma influência do período jesuítico. Assim ficou.
Tradução:
Sagrada
Canção
Prólogo:
Ma woi
Ma: advérbio já.
Woi: Breve, logo, com antecedência,
previamente.
Ma woi: Expressão determinante. De
antemão, previamente, prelúdio, prólogo.
Texto:
1.
Ria’e wa’e Kwa’a exarai, ñoa’e ywy
gui kowa’e mborai, mandu’aju tape, ete, kowe rupe.
Tradução:
1.
Sempre que a sabedoria é esquecida,
da terra brota esta canção, para relembrar o caminho, a verdade e a vida.
Vocábulos:
Ria’e: sempre
Wa’e: que
Exarai: esquecida.
Ixarai: esquecer.
Ñoa’e: brota
Ywy: terra
Gui: da
Kowa’e: esta
Mborai: canção
Mandu’a: lembrança,
memória.
Mandu’aju: relembrar.
Tape: caminho
Ete: verdade, verdadeiro.
Kowe: vida
Ikowe: Viver.
Texto:
2.
Kowa’e kwaxia mbopara wa’ekwe endy
pe. Ha’e ria’e ohoju araka’e ywypygua oho endy tekokwa’a gui, itarendy gui kwere
ha’egui ñeem gui.
Tradução:
2.
Este livro foi escrito na luz. Ele
sempre retorna quando a humanidade volta à tecnologia da luz, dos cristais e do
espírito.
Vocábulos:
Kowa’e: este.
Kwaxia: livro.
Mbopara: escrever.
Wa’ekwe: indica tempo
passado do verbo.
Endy: luz
Pe: na
Ha’e: ele,ela, dele,
dela.
Ahoju: retorna.
Araka’e: quando.
Ywypygua: humanidade.
Oho: volta, retorna.
Tekokwa’a: tecnologia.
Domínio sobre um saber.
Gui: do, de, da.
Itarendy: cristais.
Há’egui: e.
Ñeem: espírito.
Texto:
3.
Mokoym po, rire mboapy, rire mboapy
anypo ara kwere wa’ekwe kowa’e kwaxia mbopara wa’ekwe opawy kwe’a. Ep mbowe ha’e
ombopara wa’ekwe mokoym po, mokoym py, rire mboapy meme; mboapy po, mboapy py,
rire irundy meme, rire peteym; ha’egui irundy po, irundy py, rire mokoym po,
rire mokoym, rire mboapy anypo ara wa’ekwe.
Tradução:
3.
Há treze mil anos este livro foi escrito pela última vez. Antes ele havia
sido escrito há 26, 39 e 52 mil anos atrás.
Vocábulos:
Mokoym po: dez. Duas
mãos.
Rire: some.
Mboapy: três.
Mboapy anypo: três zeros.
Mokoym po, rire mboapy,
rire mboapy anypo: treze mil.
Ara: tempo/espaço; ano.
Kwere: indica plural.
Opawy: última.
Kwe’a: vez.
Ep mbowe: antes.
Mokoym py: dez. Dois pés.
Irundy: quatro.
Meme: dobre.
Texto:
4.
Pokã kwere monheangu gui, Kowae
mborai kwa’a erowy
nhembo’e rupe.
Tradução:
4.
Nos períodos de obscurantismo, o
conhecimento deste canto passa para a oralidade.
Vocábulos:
Pokã: de tempo em tempo. Período
de tempo.
Monheangu: obscutantismo.
Arõ Kwa’a: acautelar-se.
Ficar alerta.
Axa: passa. (refere-se a
um evento).
Mboaxa: passar.
Erowy: passar. (refere-se
a uma atitude).
Ma’ã: entrega.
Nhembo’e: oral
Inhembo’e: orar
Texto
5.
Mokoym e mokoym rire mboapy anypa gui ara kwere peteym
mba’ekwa’a oho mandu’aju rupe.
Tradução
5.
De dois em dois mil anos um
Mba’ekwa’a vem para relembrá-lo.
Vocábulos:
E: em
Py: em (sinônimos), na.
Texto:
6.
Opawy mba’ekwa’a oho omboea rupe
kowa’e mborai orery’kwe Xume. Há’e omba’e apy mokoym rire mboapy anypa wa’ekwe.
Tradução:
6.
O último Mba’ekwa’a que veio para
ensinar esta canção chamava-se Xume. Ele esteve aqui há dois mil anos atrás.
Vocábulos:
Orery’kwe: Chamava-se.
imboea: ensinar.
Omboea: refere-se a ele,
o mba’ekwa’a. Ensinar.
Texto:
7.
Ange kowa’e mborai ñoa’eju ñande
koratã py Kwere.
Tradução:
7.
Hoje esta canção rebrota em nossos corações.
Vocábulos:
Ange: hoje
Angegua: dia de hoje
Kowa’e ara: neste dia.
Comentário:
Mborai Porã pode ser
traduzida por Sagrada Canção, ou Sublime Canção. Mas o que fica é: quem foi o
criador deste canto? E quando o fez? E o mais importante: qual o significado
deste canto?
Este canto me foi ensinado pelo ñemoKandire Kwarayju. Até ele
chegou por tradição oral. A tradição atribui a Xume o ensinamento deste canto,
que aconteceu a dois mil anos atrás, porém, como epitáfio de vários versos do
canto Xume diz: ha’e omombeu; ou seja: Ele nos disse. Isso significa que esse
canto foi ensinado a Xume e a outros conjuntamente, pois Xume diz “Nos” disse.
Porém Xume nunca disse o nome desse “ele”, que disse o canto.
O padre Antonio Vieira e, o Frei, Ruiz de Montoya, o prior
dos jesuítas Del Guayra relatam: “Os
Guarani já conhecem a doutrina”; “Eles sabem sobre o dilúvio e outras
ocorrências bíblicas”. “ Dizem que São Tomé (San Thomas) esteve entre eles”.
Essa é uma afirmativa vinda dos Jesuítas. Se eles estiverem certos, Xume seria
São Tome, e teria aprendido então esse canto com Iexua Nexari (Jesus). E os
Guarani Ñandewa seriam então Cristãos pré-colombianos. E mais, o Cristianismo
teria chegado aqui antes de ter chegado na Europa.
O relato Ñandewa diz que Xume chegou um dia nas margens do
rio Paraguai, falando guarani. Assim começa o canto que fala da saga de Xume.
Dizem que alguns
aceitaram a reformulação que ele fez no Ñande Reko, e que outros não. Os que o
seguiram passaram a se chamar Ñandewa, que significa: os dos nossos; ou seja,
os que aderiram à nova proposição.
Na antropologia a antropóloga francesa Helene Clastres fala
de Xume, refere-se a ele como Tome. Os nativos no Rio de Janeiro falaram sobre
Tome para ela e levaram –na até um lugar em que Tome tinha deixado as marcas do
seu pé gravado nas pedras.
Em muitos lugares os Guarani têm as pegadas de Tome nas
pedras, é uma relíquia e prova da passagem o Arandu. No Paraguai tem uma pedra
com as marcas da mão de Tome, essa tive a oportunidade de conhecer e colocar a
mão sobre as marcas da mão dele.
Aqui perto do Tekowa Xingui temos o Itupawa o caminho por onde Xume passou quando veio da
Ilha da Cotinga com os doze Mba’ekwa’a. e aqui próximo está a pia esculpida na
rocha, junto a uma cachoeira onde Xume fazia os Ikarai. E no caminho do itupawa
tem uma caverna onde ele morou, ela esta um pouco avariada pois foi dinamitada
a algumas décadas pelos exploradores de granito.
Em muitos lugares a Tome são atribuídas escritas e
signaturas, esses lugares são normalmente denominados de Itakwaxia ou
Itakwaxiara, conforme o dialeto, ou seja: livros de pedra.
Por outro lado, o conteúdo desse canto embora bem enigmático,
lembra em algumas passagens, creio que em torno de dez das cento e treze
estrofes o evangelho apócrifo de Dydymos Thomas, “o irmão gêmeo”, que seria São
Tomé (Thomas).
Em algumas lendas guarani Iexua e Xume são apresentados como
irmãos gêmeos. Como o Sol e a Lua. E curioso que nessas lendas a lua passa a
ser um personagem masculino, embora em guarani a lua “Jaxy”, signifique sagrada
mãe, ou seja, é um ser feminino etimologicamente.
Todas essas hipóteses e especulações são muito interessantes,
mas para mim, a grande importância do Mborai Porã está no próprio texto, pela
profundidade, beleza e sabedoria dos ensinamentos que possui, e é nisso que
mantenho meu foco.
Obs.
À partir da próxima classe passaremos a aprendê-lo oralmente,
então até aqui vamos nesse processo de aulas gravadas, de agora em diante as
classes serão ao vivo.
Canto:
Texto:
1.
Ha’e omombeu:
- “Opawawe ikowe imborai kwa’aete pe any imano wa’erã”.
Tradução:
1.
Ele disse:
- Quem viver na sabedoria e verdade desta canção não morrerá.
Vocábulos:
Comentário:
1.