sexta-feira, 11 de julho de 2008

COMUNIDADE GUARANI NO BRASIL

 

Para se compreender a religião Guarani e sua diversidade é importante ter conhecimento da sua dispersão territorial, das zonas de influência de cada grupo e da variação cultural dentro de cada grupo.

Habitualmente, localizam-se historicamente os Guarani no Paraguai, porém, o povo Guarani, não ocupava somente o Paraguai, mas tinha a área compreendida entre os confins do Equador e o Rio da Prata, quase todo o Brasil, e ainda o Uruguai e as províncias de Corrientes e Entre-Rios, na Argentina.

É costume se dizer, simplesmente, que ela ocupava o Paraguai porque a palavra Paraguai designava no século XVI toda a bacia dos três grandes rios que convergem para o Prata, até os Andes, do Chile ao Peru, bastante para o interior da Bolívia, do Brasil e do Uruguai, e mesmo dos Pampas ao sul de Buenos Aires, até os confins da "Terra de Magalhães".

Mais tarde, a administração colonial estabelece uma província mais restrita, sob o nome de Paraguai. Essa província, contudo, era ainda muito mais vasta que o Paraguai atual.

Grupos compactos de Guarani estavam escalonados até na cordilheira dos Andes. Escreveu Rengger: "Não é duvidoso que essa nação não tenha sido a mais numerosa da América do Sul".(Rengger, p. 101).

 Os Guarani formavam uma nação de muitos milhões de indivíduos, distribuídos de maneira mais ou menos densa sobre a metade do continente.

Era notável, aliás, do ponto de vista etnológico e filológico, a existência de povoados Guarani "num espaço de 45 graus de latitude e mais da metade desse número em longitude ... um espaço superior ao da Europa inteira. (...) Esse fenômeno é tanto mais extraordinário quando se observa que no meio deles encontravam-se uma grande quantidade de outras nações, muitas vezes reduzidos a um punhado de indivíduos, que falavam uma língua inteiramente diferentes". (Moussy, Tomo III, p. 153-154).

Ainda em meados do século XIX, Martín de Moussy observava que, "na província brasileira de São Paulo, no Paraguai e na província de Corrientes, o povo e as mulheres, sobretudo, não falavam senão o Guarani, (...) que não é menos que a língua geral que se falava desde a Guiana aos Andes e nas vizinhanças do Prata". (Moussy. Tomo II, p. 155).

A maioria das populações indígenas encontradas pelos invasores quinhentistas em terras da bacia Platina falava dialetos do idioma Guarani, estreitamente afim ao linguajar das chamadas tribos tupi, que dominavam quase todo o litoral brasileiro e grandes extensões do interior.

Entre os Guarani contemporâneos a consciência de unidade tribal não prevalece. Cada um dos subgrupos procura acentuar e exagerar as diferenças existentes. A diversidade dos dialetos, das crenças e práticas religiosas, de constituição psíquica e mesmo da aparência física serve de motivo para cada bando afirmar a todo o momento a sua diversidade.

"Os Guarani do Brasil meridional podem ser divididos em três grandes grupos: os Ñandewa, os Mbya e os Kaiowá". (Schaden, p. 2).

Atualmente os Kaiowá já não aceitam a denominação de Guarani; criando assim uma diferenciação que deve ser respeitada. Os Mbya se autodenominam de Guarani e os Ñandewa de Guarani tupi, que penso que deve ser também respeitado e que tem o seu sentido.

"Resumindo, pode-se dizer que a tribo Guarani, que em séculos passados dominou em grandes extensões dos estados meridionais do Brasil e em territórios limítrofes do Uruguai, da Argentina e do Paraguai esta hoje reduzida a poucos milhares de indivíduos (...) e (...) já não ocupam áreas extensas e concretas, mas estão confinados a pequenas aldeias ou reservas". (Schaden, p. 10).

Quem quer que procure conhecer em suas próprias aldeias o povo Guarani da atualidade, não deixa de perceber desde logo que certos domínios de sua cultura se apresentam inteiramente abertos a influências estranhas, ao passo que em outros é extraordinariamente forte o apelo aos padrões tradicionais.

Isso levou Egon Schaden a afirmar que, "de aldeia em aldeia, a experiência aculturativa dos índios Guarani assume formas específicas de acordo com a variação dos fatores. (...) Em suma: os Guarani talvez representem entre os índios atuais o exemplo mais apropriado para se estudar a variedade de reações aculturativas e anti ou contra-aculturativas, de uma determinada configuração de origem, bem como a importância dos fatores que interferem no processo". (Schaden, p. 13). Sobre a religião Guarani Schaden diz que:

 

 "Um fato que dificulta não pouco a descrição exata da religião Guarani dos grupos hoje existentes no Brasil, quer no tocante à doutrina, quer no ritual, é a extraordinária variabilidade observada de aldeia em aldeia, de um sacerdote a outro, ou ainda entre os representantes de um mesmo grupo. A sistematização dos elementos daria por si só margem para extensa monografia. As divergências e contradições, mesmo no interior deste ou daquele subgrupo, desta ou daquela aldeia, são tão numerosos e de tal modo acentuadas que se torna praticamente impossível apresentar a religião tribal em formulações "dogmáticas" ou peremptórias. Duas parecem ser as causas disto: primeiro, o caráter individual, ou melhor, individualista, da religião Guarani. Por destacada que seja a importância social das cerimônias religiosas e, vice-versa, o significado religioso das manifestações principais da existência comunitária, cumpre não menosprezar o extraordinário papel da vivência religiosa individual, pois em qualquer circunstância pode a pessoa entrar em contato com o sobrenatural, recebendo consolação, conselhos e revelações das divindades ou dos espíritos protetores, isto é, cada qual tem as suas experiências religiosas próprias, de acordo com o caráter e os pendores místicos de sua personalidade. Assim, no decorrer dos anos, vai formando -  sobre o fundo doutrinário comum, evidentemente – a sua própria concepção do mundo, o seu sistema interpretativo, com inovações ou "aberrações" mais ou menos "heterodoxas", de acordo com as suas tendências e experiências pessoais. Segudno Leòn Cadogan, que encontrou dificuldades semelhantes em suas pesquisas entre os Mbya do Paraguai, há fixidez e uniformidade notáveis no conjunto das doutrinas secretas, privativas dos sacerdotes, ao passo que as representações religiosas públicas estão sujeitas a grande variação.

Em segundo lugar, a multiplicidade de idéias e crenças deve ser interpretada em termos de incongruências decorrentes de contactos com a religião, de um lado, e da fusão das diferentes doutrinas subgrupais produzida pelas migrações, que levaram à formação de aldeias em que  se reúnem, em uma mesma comunidade de vida e de culto, famílias de dois ou até mesmo dos três subgrupos". (Schaden, p. 106, 107).

 

 

Egon Schaden atribui a duas causas a dificuldade que o estudioso encontra para dar uma descrição da religião Guarani dos grupos existentes no Brasil. Essa dificuldade que ele encontrou em 1954, perdura ainda hoje, de certa forma, também por essas mesmas instâncias. E essas dificuldades segundo Schaden são: primeiro o caráter individualista da religião Guarani, eu preferiria dizer caráter pessoal e, segundo, a fusão das diferentes doutrinas subgrupais devido à aglutinação em uma mesma aldeia de diferentes grupos e subgrupos e ainda de substratos distintos.

Certamente esses dois fatores colocados por Schaden são bastantes importantes, mas hoje não se pode relegar a importância da dispersão geográfica, da rarefação da população que de alguns milhões passaram a ser alguns milhares de indivíduos. E também, os resíduos de antigas influências e das influências atuais, que para alguns indivíduos ganha destaque e que para outros é relegada a menor importância, dependendo mais da afinidade da liderança religiosa (paje) e de seus adeptos para com um aspecto ou para com outro do enorme acervo mítico, cosmológico e cerimonial do Ñande Reko (da religião Guarani).

A seguir apresento alguns mapas e um esquema descritivo da localização das aldeias e da zona de influência do caminho do Peabiru, zona de influência de Xumé (Tomé).

No primeiro mapa apresento o caminho de Peabiru descrito por Ulrich Schmidl, de 1553, segundo a reconstrução de Reinhard Maack. Depois uma reconstrução atual, de 2001, feito no "I Encontro Nacional dos Estudiosos do Caminho de Peabiru".

Seguindo apresento um quadro geral das aldeias do litoral feito pelo CTI, Centro de Trabalho Indigenista, datado de novembro de 1991.

Depois trago quatro mapas onde estão localizados as aldeias apresentadas no quadro, que são: as Aldeias do Litoral e primeiro planalto do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Por fim apresento um mapa da região da Baía de Paranaguá e o mapa da histórica República Guarani.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

Ladeira, Maria Inês. O Caminhar sob a Luz. PUC/ Tese. São Paulo, 1992.

Moussy, Dr. Martin de. Description Geographique et Statistique de la Confederation Argentine, Paris, 1860-1864, 3 vols., 1993 páginas.

Rengger,Dr., Reise nach Paraguay, Aarau, 1835, 150 páginas em francês e 350 páginas em alemão. O Dr. Rengger, de Baden realizou a sua viagem ao Paraguai em 1818 a 1826, na companhia de seu amigo, o valdense Longchamp, que colaborou na redação.

Shaden, Egon. Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani. EDUSP. São Paulo, 1974.